terça-feira, 27 de fevereiro de 2007



HAMMER - A CASA DO HORRORPor Renato Rosatti
No final dos anos 1950, o desgaste natural do cinema de Horror fez com que o gênero enfrentasse perdas significativas de audiência para a televisão. Nesse momento, a nostálgica produtora inglesa de filmes fantásticos "Hammer", que entrou em atividade após a Segunda Guerra Mundial comandada por Michael Carreras e Anthony Hinds, surgiu com a idéia de revitalizar o gênero trazendo novamente às telas do cinema os famosos monstros sagrados "Drácula", "Criatura de Frankenstein", "Múmia", "Fantasma da Ópera", "Lobisomem", entre outros, os quais haviam sido largamente filmados em preto e branco nas décadas anteriores pelo saudoso estúdio americano "Universal", com Boris Karloff, Bela Lugosi e Lon Chaney Jr., entre outros.
Porém, dessa vez com fotografia em cores e o vermelho vivo do sangue, foram produzidos uma infinidade de clássicos como "A Maldição de Frankenstein" (57) e "O Vampiro da Noite" (58), lançando atores que se transformaram em ícones absolutos do Horror como Christopher Lee e Peter Cushing, e diretores e roteiristas que se tornaram nomes conhecidos no gênero como Terence Fisher, Val Guest, Jimmy Sangster, Freddie Francis, John Gilling, Roy Ward Baker e Alan Gibson, entre outros. O primeiro filme do gênero fantástico da "Hammer" foi "Terror Que Mata" (The Creeping Unknown / The Quatermass Xperiment, 55), baseado numa série de TV de 1953, numa história misturando elementos de Ficção Científica e Horror e apresentando um astronauta que ao retornar de uma missão no espaço é dominado por um alienígena e se transforma num terrível monstro ameaçador para a humanidade. A partir daí, vieram dezenas de outros filmes que se imortalizaram dentro da história do gênero e que são cultuados até hoje, várias décadas depois, por uma legião imensa de fãs. A maior característica de seus filmes era a ambientação com fascinantes cenários góticos, através de imponentes castelos repletos de aposentos imensos, cercados por uma floresta fantasmagórica, com cemitérios particulares e suas lápides de pedra e túmulos envoltos numa névoa sinistra, sem contar as pequenas aldeias de camponeses supersticiosos e constantemente assustados, os laboratórios cobertos de aparelhos elétricos, líquidos borbulhantes e tubos de ensaio, as famílias atormentadas por alguma antiga maldição, e o tradicional modo de vida aristocrático das damas e cavalheiros da época. E o sucesso dos primeiros filmes do estúdio tem explicação em alguns fatores importantes como a fotografia colorida, a utilização de uma mesma equipe de produção e elenco, e o uso inteligente dos recursos disponíveis diminuindo os custos de produção. O ápice de consagração da "Hammer" foi durante os nostálgicos anos 60, onde se concentrou a maioria de seus melhores filmes, sendo que de uma forma inevitável suas produções acabaram se desgastando com o passar dos anos, ao apresentar poucas novidades e um uso exagerado de fórmulas repetitivas e clichês exaustivamente explorados, perdendo gradativamente o interesse do público e culminando com uma safra de filmes de menor expressão a partir do início de 1970 até meados dessa década, com o fechamento do estúdio. O grande rival da "Hammer" era a também famosa "Amicus", responsável por diversos outros filmes igualmente maravilhosos, se especializando em antologias de várias histórias de horror contadas de forma independente ou amarradas a partir de um tema central, como "A Casa Que Pingava Sangue" (70), com a dupla Christopher Lee e Peter Cushing, e "Asilo Sinistro" (72), com episódios escritos por Robert Bloch.
Para tentar recuperar o prestígio perdido, a "Hammer" procurou algumas alternativas para os rumos de suas produções. A partir de 1970 foi lançada a chamada "trilogia Karnstein", com filmes baseados na obra literária de Sheridan Le Fanu, iniciando uma nova fase do estúdio, considerada bastante ousada por mostrar pela primeira vez o erotismo de belas mulheres vampiras semi nuas em sensuais cenas de lesbianismo. Vieram então "Camilla, a Vampira de Karnstein / Os Amantes Vampiros" (The Vampire Lovers, 70), dirigido por Roy Ward Baker e com Peter Cushing e a bela Ingrid Pitt, seguido no ano seguinte por "Luxúria de Vampiros" (Lust For a Vampire, de Jimmy Sangster), com a beleza inigualável de Yutte Stensgaard, e "As Filhas de Drácula" (Twins of Evil, de John Hough), com as gêmeas Madeleine e Mary Collinson e o sempre presente Peter Cushing. Outra alternativa adotada pela "Hammer" foi alterar a tradicional ambientação gótica de seus filmes tradicionais de vampiros transportando as ações para um tempo mais moderno, atualizado com a época da produção, trocando os castelos, as pequenas e isoladas aldeias e as carruagens pelos enormes prédios e automóveis da tumultuada vida urbana da Inglaterra dos anos 70. Surgiram então filmes como "Drácula no Mundo da Mini Saia" (Dracula AD 1972) e "Os Ritos Satânicos de Drácula" (73), que não tiveram a receptividade esperada, contribuindo para que a produtora encerrasse suas atividades poucos anos depois. Porém, ainda no início dos anos 80, a "Hammer" lançou um programa de televisão chamado "A Casa do Horror", com a exibição de filmes de duração mais curta em produções típicas para a TV, apresentando interessantes histórias de horror e que até hoje ainda deixam saudades. No final desta página há uma listagem com filmes da "Hammer" dentro do gênero fantástico (FC / Horror / Suspense) que foram lançados no Brasil, seja na televisão ou mercado de vídeo VHS ou DVD. No caso de DVD, os filmes estão marcados com um (*). A lista contém o nome nacional, título original, ano de produção e o diretor. "Hammer - A Casa do Horror" - artigo # 241 - data: 20/04/04
Renato Rosatti
HAMMER FILMS
Por Orivaldo Leme BiagiO passar dos anos continua sendo um fenômeno interessante: na virada dos anos 70 para os 80, as redes de televisão brasileira mostravam, toda a semana, a produção de horror da Hammer Films. Record e Bandeirantes, principalmente, mantinham sessões de filmes de terror e figuras como Christopher Lee e Peter Cushing não paravam de passar nas noites de sexta-feira e sábado. Na época eram grandes novidades, tanto quanto os clássicos do Alfred Hitchcock recém liberados para a televisão. O sucesso foi tanto entre a garotada da época que as emissoras chegavam a repetir os mesmos filmes várias e várias vezes, inclusive no mesmo mês. O tempo passou e, hoje em dia, é quase impossível encontrar um bom filme da Hammer, tanto na televisão quanto nas locadoras de vídeo. A produção de filmes de terror da década de 80, trash ou não, substituiu os antigos clássicos da produtora inglesa. A violência e sexo que fez a fama da Hammer na virada das décadas de 50 e 60 (e nos mantinham acordados na virada das décadas de 70 e 80, para desespero de nossos pais) pareciam insignificantes perante os novos (e cada vez mais violentos e sexuais) tempos. Mas, mesmo assim, a Hammer fez história e vamos tentar contá-la um pouco. O estúdio Hammer nasceu em 1948, fundado por Will Hammer e Sir John Carreras, dentro da lógica de que os filmes de terror deveriam ser de entretenimento, contando uma boa história, lógica defendida por Carreras e referendada por Hammer. Apesar dos orçamentos baixos, o estúdio lançou filmes dentro dos padrões de Hollywood e, quando se tratava de filmes de terror especificamente, da tradição teatral inglesa e francesa, principalmente com base no Théâtre Grand Guignol, de Paris.
Foi a televisão quem, indiretamente, faria com que o estúdio tivesse seus primeiros sucessos: a televisão britânica produziu na década de 50 uma série de ficção-científica chamado The Quatermass Experient, baseada no personagem Bernard Quatermass, cientista que enviara um foguete para o espaço e, quando este retornou, trouxe junto uma forma de vida alienígena que tomou conta do corpo do astronauta enviado para comandar a missão. A Hammer fez um versão cinematográfica da série, The Quatermass Xperient, em 1955, logo seguido de continuações: X the Unknown, de 1956; Quatermass II, de 1957. O sucesso destes filmes e dos monstros alienígenas que eles apresentavam estimulou o estúdio a investir em criaturas monstruosas terrestres e, como a Universal Pictures estava parando sua produção de filmes de terror, os donos da Hammer fizeram um acordo com o estúdio norte-americano conseguindo os direitos de Frankenstein e Drácula. Para surpresa do mundo cinematográfico (e da própria Hammer), o filme The Course of Frankenstein (dirigido por Terence Fisher, com roteiro de Jimmy Sangster e estrelado pelos até então desconhecidos Peter Cushing e Christopher Lee) tornou-se um inusitado sucesso de bilheterias. Filmado em Technicolor, o filme mostrou o personagem de Mary Shelley como nunca tinha sido visto até então: com cores e bastante violência. Utilizando-se da mesma equipe do filme anterior, o estúdio produziu e lançou (junto com a Universal, que, além de financiar metade do filme, fazia a distribuição internacional) Horror of Dracula, filme que fez um sucesso ainda maior do que seu antecessor e imortalizou Lee como o segundo grande Drácula do cinema (o primeiro tinha sido o eterno Bela Lugosi). A partir destes dois filmes, a Hammer não parou mais de produzir e fazer sucesso. Com histórias simples, aproveitando-se da imagem popular dos personagens de terror, usando habilmente as cores e o sexo (as mulheres eram escolhidas pela sua beleza, sensualidade e seios grandes, sendo que quase sempre eram vestidas com roupas de decotes bastante generosos). Christopher Lee faria várias vezes o personagem Drácula e Peter Cushing seria conhecido como o "Cavalheiro do Horror". Mas nem tudo foram glórias para o estúdio, pois a crítica especializada jamais o perdoou pela utilização dos estereótipos dos personagens sem acrescentar coisa alguma de diferente ou "profundo", crítica esta que não deixa de ser uma grande injustiça: tanto Terence Fisher quanto Jimmy Sangster trabalharam excepcionalmente bem sobre os estereótipos, mas jamais deixaram de se preocupar em fazer, acima de tudo, uma história de terror e entretenimento. E, além da crítica, a censura inglesa atuava de maneira firme: o estúdio comprou os direitos do clássico livro de vampiros I Am Legend, de Richard Matheson (que iria, inclusive, fazer o roteiro), mas foi informada que, caso tal obra fosse filmada, não seria permitida o seu lançamento nos cinemas da Inglaterra. Apesar destes problemas, a Hammer fez grande sucesso na década de 60 com Lee (como Drácula) e Cushing (com sua figura simples, porém apavorante).
O sucesso do estúdio começaria a entrar em declínio no começo dos anos 70. Além de surgirem outros estúdios para rivalizarem com ela, como a Amicus (cujo maior sucesso foi A Casa que Pingava Sangue (The House That Dripped Blood, 1970), o mundo mudara e a Hammer já não era mais o grande referencial do mundo do terror, principalmente depois dos filmes O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby) e A Noite dos Mortos-Vivos (The Night of the Living Dead), ambos de 1968. A polêmica (e estrondoso sucesso) do primeiro e a violência explícita do segundo foram decisivos para abrir os parâmetros do horror da década seguinte, parâmetros estes difíceis demais para a Hammer se contrapor. Mesmo assim, o estúdio tentou bravamente: além de voltar a produzir filmes tendo Lee como Drácula (três filmes seriam produzidos nesta época: Scars of Dracula, 1971; Dracula A.D. 1972, 1972 e The Satanic Rites of Dracula, 1973), ele tentou recuperar a clássica história de Sheridan Le Fanu, Carmilla, utilizando-se de bastante violência e lesbianismo: Vampire Lovers (1970) e Lust for a Vampire (1971, este com o roteirista Sangster na direção) são ótimas adaptações sobre a obra de Fanu e chegaram a fazer relativo sucesso, dando alguns suspiros para o estúdio, mas não o bastante. Outros dois filmes neste estilo seriam produzidos, mas sem o efeito de bilheteria dos dois primeiros. O estúdio tentou juntar o vampirismo típico da Hammer com o filão de artes marciais, produzindo o curioso The Legend of the Seven Golden Vampires, de 1974, tendo Cushing interpretando o Dr. Van Helsing que, para caçar Drácula, viaja até a China, encontra um caçador de vampiros chinês, Hsu Tien-an. A Warner Brothers recusou-se a distribuir o filme e, com este fracasso, o clássico estúdio inglês faliria. Ray Skeggs comprou o estúdio em 1976 que, desde então, vem vivendo da venda dos direitos dos filmes para a televisão e vídeo dos clássicos antigos. A chama do estúdio foi mantida, desde 1976. através do seu fanzine, The House of Hammer. Orivaldo Leme Biagi, Doutor em História pela UNICAMP, Professor das Faculdades Atibaia (FAAT) e Membro da Academia Literária Atibaiense (ALA).
FILMES DA HAMMER LANÇADOS NO BRASIL
Nome Nacional
Nome Original
Ano
Direção
Terror Que Mata
The Creeping Unknown / The Quatermass Xperiment
1955
Val Guest
O Estranho de Um Mundo Perdido
X, The Unknown
1956
Leslie Norman
O Monstro do Himalaia
The Abominable Snowman
1957
Val Guest
A Maldição de Frankenstein (*)
The Curse of Frankenstein
1957
Terence Fisher
A Usina dos Monstros
Quatermass 2 - Enemy From Space
1957
Val Guest
O Vampiro da Noite (*)
Horror of Dracula
1958
Terence Fisher
A Vingança de Frankenstein
The Revenge of Frankenstein
1958
Terence Fisher
O Cão dos Baskervilles
The Hound of the Baskervilles
1959
Terence Fisher
A Múmia
The Mummy
1959
Terence Fisher
O Homem Que Enganou A Morte
The Man Who Could Cheat Death
1959
Terence Fisher
As Noivas do Vampiro
The Brides of Dracula
1960
Terence Fisher
O Monstro de Duas Caras
The Two Faces of Dr. Jekyll
1960
Terence Fisher
A Maldição do Lobisomem
The Curse of the Werewolf
1961
Terence Fisher
Criaturas da Noite
Captain Clegg
1962
Peter Graham Scott
O Fantasma da Ópera
The Phantom of the Opera
1962
Terence Fisher
O Beijo do Vampiro
Kiss of the Vampire
1963
Don Sharp
A Velha Casa Assombrada
The Old Dark House
1963
William Castle
Os Malditos
The Damned / These Are the Damned
1963
Joseph Losey
Paranóico
Paranoic
1963
Freddie Francis
A Maldição da Múmia
The Curse of the Mummy's Tomb
1964
Michael Carreras
O Monstro de Frankenstein
The Evil of Frankenstein
1964
Freddie Francis
A Górgona
The Gorgon
1964
Terence Fisher
Cilada Diabólica
Nightmare
1964
Freddie Francis
Nas Garras do Ódio
The Nanny
1965
Seth Holt
A Deusa da Cidade Perdida
She
1965
Robert Day
Drácula - O Príncipe das Trevas (*)
Dracula - Prince of Darkness
1966
Terence Fisher
Um Milhão de Anos A.C
One Million Years B.C.
1966
Don Chaffey
A Epidemia de Zumbis (*)
The Plague of the Zombies
1966
John Gilling
Rasputin - O Monge Louco
Rasputin - The Mad Monk
1966
Don Sharp
A Serpente (*)
The Reptile
1966
John Gilling
A Face do Demônio
The Witches / The Devil's Own
1966
Cyril Frankel
E Frankenstein Criou a Mulher
Frankenstein Created Woman
1967
Terence Fisher
O Sarcófago Maldito
The Mummy's Shroud
1967
John Gilling
Uma Sepultura na Eternidade
Five Million Years to Earth/Quatermass and the Pit
1967
Roy Ward Baker
Mulheres Pré-Históricas
Slave Girls / Prehistoric Women
1967
Michael Carreras
As Bodas de Satã
The Devil Rides Out
1968
Terence Fisher
Drácula - O Perfil Do Diabo
Dracula Has Risen From the Grave
1968
Freddie Francis
Jornada do Terror
Journey Into Midnight
1968
Roy Ward Baker
O Continente Esquecido
The Lost Continent
1968
Michael Carreras
A Vingança da Deusa
The Vengeance of She
1968
Cliff Owen
Frankenstein tem que ser Destruído
Frankenstein Must be Destroyed
1969
Terence Fisher
Gangsters na Lua
Moon Zero Two
1969
Roy Ward Baker
O Sangue de Drácula
Taste The Blood of Dracula
1970
Peter Sasdy
Horror de Frankenstein (*)
The Horror of Frankenstein
1970
Jimmy Sangster
O Conde Drácula (*)
Scars of Dracula
1970
Roy Ward Baker
Carmilla - A Vampira de Karnstein
The Vampire Lovers
1970
Roy Ward Baker
Quando os Dinossauros Dominavam a Terra
When Dinosaurs Ruled the Earth
1970
Val Guest
Sangue no Sarcófago da Múmia
Blood From the Mummy's Tomb
1971
Michael Carreras
A Condessa Drácula
Countess Dracula
1971
Peter Sasdy
Criaturas que o Mundo Esqueceu
Creatures the World Forgot
1971
Don Chaffey
O Médico e a Irmã Monstro
Dr. Jekyll and Sister Hyde
1971
Roy Ward Baker
Nas Mãos do Estripador
Hands of the Ripper
1971
Peter Sasdy
Luxúria de Vampiros (*)
Lust for a Vampire
1971
Jimmy Sangster
As Filhas de Drácula
Twins of Evil
1971
John Hough
Demônios da Mente
Demons of the Mind
1972
Peter Sykes
Drácula no Mundo da Minissaia
Dracula A.D. 1972
1972
Alan Gibson
O Vampiro e a Cigana
Vampire Circus
1972
Robert Young
Capitão Cronos
Kronos / Captain Kronos / Vampire Hunter
1973
Brian Clemens
Os Ritos Satânicos de Drácula (*)
The Satanic Rites of Dracula/Count Dracula and His Vampire Bride
1973
Alan Gibson
A Lenda dos Sete Vampiros
The Legend of the Seven Golden Vampires
1974
Roy Ward Baker
Uma Filha Para o Diabo
To the Devil a Daughter
1976
Peter Sykes
Mistérios na Bavária
The Lady Vanishes
1979
Anthony Page
(*) Em DVD no BrasilOBS.: Alguns outros filmes que não foram ainda lançados no Brasil: "The Stranglers Of Bombay", de Terence Fisher (60), "The Full Treatment / Stop Me Before I Kill", de Val Guest, "Shadow of the Cat", de John Gilling, "Taste of Fear", de Seth Holt, "The Terror of the Tongs", de Anthony Bushell (todos de 61), "Maniac", de Michael Carreras (63), "Fanatic Die! Die! My Darling", de Silvio Narizzano, "Hysteria", de Freddie Francis (ambos de 65), "Crescendo", de Alan Gibson (70), "Straight on Till Morning", de Peter Collinson, "Fear in the Night", de Jimmy Sangster (ambos de 72), "Frankenstein and the Monster From Hell", de Terence Fisher (73), "Shatter", de Michael Carreras & Monte Hellman (74).

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

A GROWING BOY NEEDS HIS LUNCH !!!!


OLÁ, TODOS OS QUE AQUI INVADEM; POR FAVOR; DEIXEM UM RECADO, POIS ASSIM EU POSSO TER OCONTROLE DE QUEM PASSA AQUI E RETRIBUIR O FAVOR DE ABSORVER ALGO QUE POR VENTURA EU POSTE AQUI !!!!
EM UM SEGUNDO PLANO, HOJE EU NÃO TENHO MUITO TEMPO E NEM MUITA PACIÊNCIA PARA POSTAR O TEXTO QUE EU VENHO PREPARANDO A 2 DIAS SEGUIDOS; MAS NÃO É POR VAGABUNDAGEM DE MINHA PARTE, E SIM POR ESTAR ULTRA CANSADO. MAS NÃO SE PREOCUPEM, DEIXAR-LOS-EI COM UM DE MEUS MESTRES E SEUS ENSINAMENTOS, NESTE CONTO QUE INTITULA-SE:

O Estranho
(The Stranger)
de
Stephen King
Publicado originalmente em People, Places & Things de 1960
Stephen King – O Estranho
Stephen King Br@sil 2
Kelso Black estava rindo.
Riu até que a mandíbula começou a doer-lhe e a garrafa de
whisky barato que segurava entre as mãos caiu sobre o solo.
Polícias idiotas! Tinha sido tão fácil. E agora tinha cinqüenta
notas das grandes em seus bolsos. Se o guarda tinha morrido, era por
única e tão somente sua própria culpa! Já que ele tinha se
atravessado no meio do seu caminho.
Rindo, Kelso Black levou novamente a garrafa aos lábios. Foi
quando ele escutou algumas pisadas na escada que levava ao sótão
onde ele havia se escondido.
Pegou sua pistola. A porta se abriu.
O estranho vestia uma jaqueta negra e um chapéu inclinado
sobre os olhos.
— Oi, olá! — disse — Kelso, venho lhe observado. Você me
agradou muito, sabia? — O estranho riu e lhe produziu um calafrio de
horror.
— Quem é você?
O homem riu de novo.
— Você me conhece. Eu te conheço. Fizemos um pacto a mais
ou menos uma hora atrás, no momento em que disparaste no guarda.
— Largue-me! — a voz de Black se elevou estridentemente —
Largue-me! Largue-me!
— Chegou a hora de você vir comigo, Kelso — Lhe disse o
estranho com suavidade — Além do mais, temos um longo caminho
para percorrer.
O estranho tirou a jaqueta e o chapéu. Kelso Black contemplou
aquele Rosto.
Gritou.
Kelso Black gritou e gritou e gritou.
Mas o estranho apenas riu, e num instante, o quarto estava
silencioso. E vazio.
Somente havia um cheiro fortíssimo de enxofre.
BEM, AMANHÃ EU ESTOU DE FOLGA, E ENTÃO EU COLOCAREI COM MAIS CALMA O TEXTO ACIMA REFERIDO......ABRAÇOS A TODOS

domingo, 25 de fevereiro de 2007

EU CONSEGUI COLOCARUM LIVRO INTEIRO AQUI...





BEM , HOJE É ISTO, EU NÃO POSTO AQUI JÁ FAZEM UNS BELOS 2 DIAS ( EU ACHO ), MAS TÁ SAFO, VOU COLOCAR ALGO BEM GRANDE AQUI HOJE, PARA QUE TENHAM BASTANTE TEMPO PARA MATAR A INADIMPLÊNCIA ANTES DAS AULAS..............




A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
George Orwell
APRESENTAÇÃO
George Orwell foi um libertário. "A Revolução dos Bichos", em suas metáforas, revela uma aversão a
toda espécie de autoritarismo, seja ele familiar, comunitário, estatal, capitalista ou comunista. A obra é de
uma genial atualidade. Apesar de tudo o que alguns poucos homens já fizeram e lutaram, ainda estamos e
vivemos sob os que insistem em dominar aquém da ética e além da lei. Sejamos diligentes, a luta
continua. Um dia conseguiremos distinguir a diferença entre porcos e homens.
Nélson Jahr Garcia
CAPÍTULO I
O Sr. Jones. proprietário da Granja do Solar, fechou o galinheiro à noite, mas estava bêbado demais para
lembrar-se de fechar também as vigias. Com o facho de luz da sua lanterna balançando de um lado para o
outro, atravessou cambaleante o pátio, tirou as botas na porta dos fundos, tomou um último copo de
cerveja do barril que havia na copa, e foi para a cama, onde sua mulher já ressonava.
Tão logo apagou-se a luz do quarto, houve um grande alvoroço em todos os galpões da granja. Correra.
durante o dia, o boato de que o velho Major, um porco que já se sagrara grande campeão numa
exposição, tivera um sonho muito estranho noite anterior e desejava contá-lo aos outros animais. Haviam
combinado encontrar-se no celeiro, assim que Jones se retirasse. O velho Major (chamavam-no assim,
muito embora ele houvesse comparecido a exposição com o nome de "Beleza de Willingdon") gozava de
tão alto conceito na granja, que todos estavam dispostos a perder uma hora de sono só para ouvi-lo.
Ao fundo do grande celeiro, sobre uma espécie de estrado. estava o Major refestelado em sua cama de
palha, sob um lampião que pendia de uma viga. Com doze anos de idade, já bastante corpulento, era
ainda um porco de porte majestoso, com um ar sábio e benevolente, a despeito de suas presas jamais
terem sido cortadas. Os outros animais chegavam e punham-se a cômodo, cada qual a seu modo. Os
primeiros foram os três cachorros, Ferrabrás, Lulu e Cata-vento, depois os porcos, que se sentaram sobre
A Revolução dos Bichos
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a palha, em frente ao estrado. As galinhas empoleiraram-se nas janelas, as pombas voaram para os
caibros do telhado, as ovelhas e as vacas deitaram-seatrás dos porcos e ali ficaram a ruminar. Os dois
cavalos de tração, Sansão e Quitéria, chegaram juntos, andando lentamente e pousando no chão os
enormes cascos peludos, com grande cuidado para não machucar qualquer animalzinho porventura
oculto na palha. Quitéria era uma água volumosa, matronal já chegada à meia-idade, cuja silhueta não
mais se recompusera após o nascimento do quarto potrinho. Sansão era um bicho enorme, de quase um
metro e noventa de altura, forte como dois cavalos. A mancha branca do focinho dava-lhe um certo ar de
estupidez e, realmente, não tinha lá uma inteligência de primeira ordem, embora fosse grandemente
respeitado pela retidão de caráter e pela tremenda capacidade de trabalho. Depois dos cavalos chegaram
Maricota, a cabra branca, e Benjamim, o burro. Benjamin era o animal mais idoso da fazenda, e o mais
moderado. Raras vezes falava e, normalmente, quando o fazia, era para emitir uma observação cínica -
para dizer, por exemplo, que Deus lhe dera uma cauda para espantar as moscas e que, no entanto, seria
mais do seu agrado não ter nem a cauda nem as moscas. Era o único dos animais que nunca ria. Quando
lhe perguntavam por que, respondia não ver motivo para riso. Não obstante, sem que o admitisse
abertamente, tinha certa afeição por Sansão; normalmente passavam os domingos juntos no pequeno
potreiro existente atrás do pomar, pastando lado a lado em silêncio.
Mal se haviam acomodado os dois cavalos quando uma ninhada de patinhos órfãos desfilou celeiro
adentro, piando baixinho e procurando um lugar onde não fossem pisoteados. Quitéria protegeu-os com a
pata dianteira e os patinhos ali se aconchegaram, caindo no sono. No último instante, Mimosa, a égua
branca, vaidosa e fútil, que puxava a aranha do Sr. Jones, entrou, requebrando-se graciosamente e
chupando um torrão de açúcar. Tomou um lugar bem a frente e ficou meneando a sua crina branca, na
esperança de chamar atenção para as fitas vermelhas que a adornavam. Finalmente, chegou o gato, que
procurou, como sempre, o lugar mais morno, enfiando-se entre Sansão e Quitéria; ressonou satisfeito
durante toda a fala do Major, sem ouvir uma só palavra.
Todos os animais estavam presentes, exceto Moisés, o corvo domesticado, que dormia fora, num poleiro
junto à porta dos fundos. Quando o Major os viu bem acomodados e aguardando atentamente, limpou a
garganta e começou:
- "Camaradas, já ouvistes, por certo, algo a respeito do estranho sonho que tive a noite passada.
Entretanto, falarei do sonho mais tarde. Antes, as coisas a dizer. Sei, camaradas, que não estarei
convosco por muito tempo e antes de morrer considero uma obrigação transmitir-vos o que tenho
aprendido sobre o mundo. Já vivi bastante e muito tenho refletido na solidão da minha pocilga. Creio
poder afirmar que compreendo a natureza da vida sobre esta terra, tão bem quanto qualquer outro animal.
É sobre isso que desejo falar-vos.
"Então, camaradas, qual é a natureza da nossa vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável,
trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando e os
que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa
utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é
felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida de um
animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua.
"Será isso, apenas, a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições
de vida decente aos seus habitantes? Não, camaradas, mil vezes não! O solo da Inglaterra é fértil, o clima
é bom, ela pode oferecer alimentos em abundância a um número de animais muitíssimo maior do que o
A Revolução dos Bichos
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existente. Só esta nossa fazenda comportaria uma dúzia de cavalos, umas vinte vacas centenas de ovelhas
- vivendo todos num com uma dignidade que, agora, estão além de nossa imaginação. Por que, então,
permanecemos nesta miséria? Porque quase todo o produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres
humanos. Eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. Resume-se em uma só palavra -
Homem. O homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem, e a causa principal
da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre.
"O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para
puxar o arado, não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os
animais. Põe-nos a trabalhar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante.
Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza e, no entanto, nenhum de nós possui mais do que
a própria pele. As vacas, que aqui vejo à minha frente, quantos litros de leite terão produzido este ano? E
que aconteceu a esse leite, que deveria estar alimentando robustos bezerrinhos? Desceu pela garganta dos
nossos inimigos. E as galinhas, quanto ovos puseram este ano, e quantos se transformaram em pintinhos?
Os restantes foram para o mercado, fazer dinheiro para Jones e seus homens. E você, Quitéria, diga-me
onde estão os quatro potrinhos que deveriam ser o apoio e o prazer da sua velhice? Foram vendidos com
a idade de um ano - nunca você tornará a vê-los. Como paga pelos seus quatro partos e por todo o seu
trabalho no campo, que recebeu você, além de ração e baia?
"Mesmo miserável como é, nossa vida não chega ao fim de modo natural. Não me queixo por mim que
tive até muita sorte. Estou com doze anos e sou pai de mais de quatrocentos porcos. Isto é a vida normal
de um varrão. Mas, no fim, nenhum animal escapa ao cutelo. Vós, jovens leitões que estais sentados a
minha frente, não escapareis de guinchar no cepo dentro de um ano. Todos chegaremos a esse horror, as
vacas, os porcos, as galinhas, as ovelhas, todos. Nem mesmo os cavalos e os cachorros escapam a esse
destino. Você, Sansão, no dia em que seus músculos fortes perderem a rigidez, Jones o mandará para o
carniceiro e você será degolado e fervido para os cães de caça. Quanto aos cachorros, depois de velhos e
desdentados, Jones amarra-lhes uma pedra ao pescoço e joga-os na primeira lagoa.
"Não está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na
tirania dos seres humanos? Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja
somente nosso. Praticamente, da noite para o dia, poderíamos nos tornar ricos e livres. Que fazer, ?
Trabalhar dia e noite, de corpo e alma, para a derrubada do gênero humano. Esta é a mensagem eu vos
trago, camaradas: Revolução! Não sei quando sairá esta Revolução, pode ser daqui a uma semana, ou
daqui a um século, mas uma coisa eu sei, tão certo quanto o ter eu palha sob meus pés: mais cedo ou
mais tarde, justiça será feita. Fixai camaradas isso, para o resto de vossas curtas vidas! E, sobretudo,
transmiti esta minha mensagem aos que virão depois de vós, para que as futuras gerações prossigam na
luta, até a vitória.
"E lembrai-vos, camaradas, jamais deixai fraquejar vossa decisão. Nenhum argumento poderá deter-vos.
Fechai os ouvidos quando vos disserem que o Homem e os animais têm interesses comuns, que a
prosperidade de um é a prosperidade dos outros. É tudo mentira. O Homem não busca interesses que não
os dele próprio. Que haja entre nós, uma perfeita unidade, uma perfeita camaradagem na luta. Todos os
homens são inimigos, todos os animais são camaradas."
Nesse momento houve uma tremenda confusão. Enquanto o Major falava, quatro ratos haviam emergido
de seus buracos e estavam sentados nas patinhas de trás, a ouvi-lo. De repente, os cachorros lhes deram,
pela presença, e somente devido à rapidez com que sumiram nos buracos foi que os ratos conseguiram
A Revolução dos Bichos
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escapar com vida. O Major levantou a pata, pedindo silêncio.
- "Camaradas - disse ele -, eis aí um ponto que precisa ser esclarecido. As criaturas selvagens, tais como
os ratos e os coelhos, serão nossos amigos ou nossos inimigos? Coloquemos o assunto em votação.
Apresento à assembléia a seguinte questão: os ratos são camaradas?"
A votação foi realizada imediatamente e concluiu-se, por esmagadora maioria, que os ratos eram
camaradas. Houve apenas quatro votos contra, dos três cachorros e do gato que, depois se descobriu
votara pelos dois lados. O Major prosseguiu:
- "Pouco mais tenho a dizer. Repito apenas: lembrai-vos sempre do vosso dever de inimizade para com o
Homem e todos os seus desígnios. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo, qualquer coisa
que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo. Lembrai-vos também de que na luta contra o
Homem não devemos assemelhar-nos a ele. Mesmo quando o tenhais derrotado, evitai seus vícios.
Animal nenhum deve morar em nem dormir em camas, nem usar roupas, nem beber álcool, nem fumar,
nem tocar em dinheiro, nem fazer comércio. Todos os hábitos do Homem são maus. E, principalmente,
jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Todos os animais são iguais.
"E agora, camaradas, vou contar-vos o sonho que tive a noite passada. Não sei como explicá-lo. Foi um
sonho sobre como será o mundo quando o Homem desaparecer. Mas lembrou-me algo que há muito eu
esquecera. Há anos, quando eu ainda um leitãozinho, minha mãe e as outras porcas costumavam cantar
uma antiga canção da qual só conheciam a melodia e as três primeiras palavras. Na minha infância
aprendi a melodia, depois a esqueci. A noite passada, entretanto, ela me voltou à memória, O mais
interessante é que me lembrei também dos versos - os quais, tenho certeza, foram cantados pelos animais
de antanho, e depois esquecidos durante várias gerações. Vou cantar essa canção, camaradas. Estou velho
e minha voz é rouca, mas quando vos houver ensinado a melodia, podereis cantá-la melhor do que eu.
Chama-se Bichos da Inglaterra."
O velho Major - limpou a garganta e começou a cantar. De fato, a voz era roufenha, mas ele cantava
razoavelmente, e a melodia era bem movimentada, algo entre Clementine e La Cucaracha. Os versos
diziam o seguinte:
Bichos ingleses e irlandeses,
Bichos de todas as partes!
Eis a mensagem de esperança,
No futuro que virá!
Cedo ou tarde virá o dia,
Cairá a tirania
E os campos todos da Inglaterra
Só aos bichos caberão!
Não mais argolas em nossas ventas,
Dorsos livres dos arreios,
Freios e esporas, descartados,
Chicotadas abolidas!
Muito mais ricos do que sonhamos
Possuiremos daí por diante
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O trigo, o feno, e a cevada,
Pasto aveia e feijão!
Brilham os campos da Inglaterra,
Águas puras rolarão.
Ventos leves soprarão
Saudando a redenção!
Lutemos todos por esse dia
Mesmo que nos custe a vida!
Cavalos, vacas, perus e gansos,
Liberdade conquistemos!
Bichos ingleses e irlandeses,
Bichos de todas as partes!
No futuro que virá!
O canto levou os animais à mais extrema excitação. Antes de o Major chegar ao fim, já haviam
começado a cantar por conta própria. Até os mais estúpidos pegaram a melodia e algumas palavras; os
mais espertos, como os porcos e os cachorros decoraram a canção em poucos minutos. Então, depois de
alguns ensaios preliminares, toda a granja atacou Bichos da Inglaterra, em formidável uníssono. As vacas
mugiam a canção, os cachorros latiam-na, as ovelhas baliam-na, os cavalos relinchavam-na, os patos
grasnavam-na. Tal foi o enlevo, que cantaram de ponta a ponta, cinco vezes sucessivamente, e teriam
continuado a noite inteira se não fossem interrompidos.
Infelizmente, o alarido acordou Jones, que pulou da cama certo de que havia raposa no pátio. Deu de
mão na espingarda, sempre pronta a um canto do quarto, e descarregou-a na escuridão. O chumbo foi
encravar-se na parede do celeiro, e a reunião dispersou-se num abrir e fechar de olhos. Cada qual correu
para seu pouso. As aves saltaram para os poleiros, o gado deitou-se na palha e, em poucos instantes, toda
a fazenda dormia.
CAPÍTULO II
Daí a três noites faleceu o velho Major, tranqüilamente, durante o sono. Seu corpo foi enterrado no fundo
do pomar.
Começava o mês de março. Durante os três meses seguintes houve uma intensa atividade secreta.
As palavras do Major haviam dado uma perspectiva de vida inteiramente nova aos animais de maior
inteligência da granja. Não sabiam quando teria lugar a Revolução prevista pelo Major, nem tinham
razões para acreditar que fosse durante a existência deles próprios, mas percebiam claramente o dever de
prepararem-se para ela. A tarefa de instruir e organizar os outros recaiu naturalmente sobre os porcos,
reconhecidamente os mais inteligentes entre os animais. Salientavam-se, entre eles, dois jovens varrões,
Bola-de-Neve e Napoleão, que o Sr. Jones criava para vender. Napoleão era um cachaço Berkshire, de
aparência ameaçadora, o único Berkshire da fazenda, pouco falante, mas com a reputação de possuir
grande força de vontade. Bola-de-Neve era mais ativo do que Napoleão, de palavra mais fácil e mais
imaginoso, porém não gozava da mesma reputação quanto à solidez do caráter. Todos os demais porcos
da fazenda eram castrados. Dentre estes, o mais conhecido era porquinho gordo chamado Garganta, de
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bochechas redondas, olhos sempre piscando, movimentos lépidos e voz aguda. Manejava a palavra com
brilho e, quando discutia algum ponto mais difícil, tinha o hábito de dar pulinhos de um lado para o outro
e abanar o rabicho, o que era assaz persuasivo. Diziam que Garganta era capaz de convencer que o preto
era branco.
Esses três haviam organizado os ensinamentos do Major num sistema de pensamento a que deram o
nome de Animalismo. Várias noites por semana, depois que Jones dormia, realizavam reuniões secretas
no celeiro e expunham aos outros os princípios do Animalismo. De início, encontraram certa apatia e
muita estupidez. Alguns animais mencionaram o dever de lealdade para com Jones, a quem se referiam
como o "Dono", ou fizeram comentários elementares do tipo: "Seu Jones nos alimenta. Se ele fosse
embora, nós morreríamos de fome." Outros faziam perguntas como: "Que nos importa o que acontecerá
depois da nossa morte?" ou: "Se essa Revolução vai ocorrer de qualquer maneira, que diferença faz
trabalharmos por ela ou não?", e os porcos enfrentavam grandes dificuldades para fazê-los ver que isso
era contrário ao espírito do Animalismo. As perguntas mais estúpidas eram sempre as de Mimosa a égua
branca. A primeira pergunta que fez a Bola-de-Neve foi:
- Continuará havendo açúcar, depois da Revolução?
- Não - respondeu Bola-de-Neve, firmemente. - Não dispomos de meios para obter açúcar nesta fazenda.
Além disso, você não necessita de açúcar. Mas terá a aveia e o feno que quiser.
- E eu ainda poderei usar laços de fita na crina? - perguntou Mimosa.
- Camarada - explicou Bola-de-Neve -,essas fitas que você tanto estima são o distintivo da escravidão.
Será que você não compreende que liberdade vale mais do que laços de fita?
Mimosa sempre concordava, mas não dava a impressão de estar lá muito convencida.
Muito mais ainda lutaram os porcos para neutralizar as mentiras espalhadas por Moisés, o corvo
doméstico. Moisés, bicho de estimação do Jones, era um espião linguarudo, mas também hábil na
conversa. Afirmava a existência de uma região misteriosa, "Montanha de Açúcar", para onde iam os
animais após a morte. Essa montanha estava situada em algum lugar do céu, pouco acima das nuvens,
segundo dizia Moisés. Na Montanha de Açúcar, os sete dias da semana eram domingo, o campo floria o
ano inteiro, e cresciam torrões de açúcar bolos de linhaça nas sebes. Os animais detestavam Moisés,
porque vivia contando histórias e não trabalhava, porém alguns acreditavam na Montanha Açúcar e os
porcos tiveram grande trabalho para convencê-los de que tal lugar não existia.
Os discípulos mais fiéis eram os dois cavalos de tração, Sansão e Quitéria. Ambos tinham enorme
dificuldade em pensar qualquer coisa por si próprios todavia, aceitando os porcos como professores,
absorviam tudo quanto lhes era dito e passavam adiante para os outros animais, por simples repetição.
Nunca deixavam de comparecer aos encontros secretos no celeiro e davam o tom para o hino Bichos da
Inglaterra, que sempre encerrava as reuniões.
Afinal, a Revolução ocorreu muito mais cedo e mais facilmente do que se esperava. Jones fora, no
passado, um patrão duro, porém eficiente. Agora estava em decadência. Desestimulado com a perda de
dinheiro numa ação judicial, dera para beber bastante além do conveniente. As vezes passava dias
inteiros recostado em sua cadeira de braços, na cozinha, lendo os jornais, bebendo e dando a Moisés
cascas de pão molhadas na cerveja. Seus peões eram vadios e desonestos, o campo estava coberto de erva
daninha, os galpões necessitavam de telhas novas, as cercas estavam abandonadas e os animais andavam
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mal alimentados.
Junho chegou, e o feno estava quase pronto para o corte. No dia 23 de junho, um sábado, Jones foi a
Willingdon e bebeu tanto no Leão Vermelho, que só regressou ao meio-dia de domingo. Os homens
ordenharam as vacas de manhã cedo e saíram para caçar lebres, sem se preocuparem com a alimentação
dos animais. Ao voltar, Jones foi dormir no sofá da sala com o News of the World sobre o rosto;
portanto, ao cair da tarde, os animais ainda não haviam comido. Aquilo foi insuportável. Uma das vacas
rebentou a chifradas a porta do depósito e os bichos avançaram sobre o alimento. Nesse momento Jones
acordou. Num instante, ele e seus homens estavam no depósito com os chicotes na mão, batendo a torto e
a direito. Isso ultrapassou a tudo quanto os animais famintos podiam suportar. De comum acordo, muito
embora nada tivesse sido anteriormente planejado, lançaram-se sobre seus verdugos. Jones e os homens
viram-se de repente marrados e escoiceados por todos os lados. A situação lhes fugira ao controle. Jamais
haviam visto os animais portarem-se daquela maneira, e a súbita revolta de criaturas a quem estavam
acostumados a surrar e maltratar à vontade, apavorou-os. Em poucos instantes desistiram de defender-se
e deram o fora. Um minuto depois, os cinco voavam pela trilha rumo à estrada principal, com os bichos a
persegui-los triunfantes.
A mulher de Jones olhou pela janela do quarto, viu o que acontecia, reuniu às pressas alguns haveres
dentro de uma bolsa de pano e escapuliu da granja por outro caminho. Moisés levantou vôo do poleiro e
bateu asas atrás dela, grasnando ruidosamente. Enquanto isso, os bichos haviam posto Jones e os peões
para fora da granja, fechando atrás deles a porteira das cinco barras. E assim, antes de perceberem o que
sucedera, a Revolução estava feita. Jones fora expulso e a Granja do Solar era deles.
Durante os primeiros cinco minutos, os animais mal puderam acreditar na sorte. Seu primeiro ato foi
galopar pelos limites da granja, como para verificar se nenhum ser humano ficara escondido; depois
correram de volta às casas da granja, para varrer os últimos vestígios do odiado império de Jones. O
galpão dos arreios, no fundo dos estábulos, foi arrombado; freios, argolas de nariz, correntes de cachorro,
as cruéis facas com que Jones castrava os porcos e os cordeiros, foi tudo atirado ao fundo do poço. As
rédeas, os cabrestos, os antolhos e os degradantes bornais foram jogados à fogueira que ardia no pátio.
Destino idêntico tiveram os relhos. Os bichos pulavam de contentamento ao verem os chicotes em
chamas. Bola-de-Neve jogou também ao fogo as fitas que usualmente enfeitavam as crinas e caudas dos
cavalos em dias de feira.
Fitas - disse ele - devem ser consideradas roupas, que são o distintivo do ser humano. Todos os animais
devem andar nus.
Ao ouvir isso, Sansão foi buscar o chapeuzinho de palha que usava, no verão, para afastar as moscas de
suas orelhas, e jogou-o também no fogo.
Em curto tempo, os bichos destruíram tudo quanto lhes recordava Jones. Napoleão conduziu-os de volta
ao depósito de forragem e serviu uma ração dupla de cereais para todo mundo, com dois biscoitos para
cada cachorro. Depois cantaram Bichos da Inglaterra de ponta a ponta, sete vezes, uma atrás da outra,
deitaram-se e dormiram como nunca.
Acordaram, porém, de madrugada, como sempre, e, ao lembrarem-se do glorioso acontecimento da
véspera, correram para a pastagem. A pequena distância havia uma colina que comandava a vista de
quase toda a fazenda. Os animais subiram ao topo e olharam em volta, à luz clara da manhã. Sim, era
deles - tudo quanto enxergavam era deles! No êxtase desse pensamento, viraram cambalhotas e saltaram,
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num arroubo de contentamento. Molharam-se no orvalho, morderam a deliciosa grama do verão,
arrancaram torrões de terra e aspiraram aquele cheiro delicioso. Depois fizeram um circuito de inspeção
em toda a granja, vistoriando, com muda admiração, a lavoura, o campo de feno, o pomar, a lagoa e o
bosque. Era como se, anteriormente, nunca tivessem visto aquilo, e mal podiam acreditar: tudo era deles.
Voltaram, então, para as casas da granja e pararam silenciosos junto à porta da casa-grande. Era deles
também, mas sentiram um certo receio de entrar. Depois de alguns instantes, porém, Bola-de-Neve e
Napoleão forçaram a porta, e os animais entraram, em fila, caminhando com o maior cuidado para não
desarrumar nada. Andaram na ponta dos pés, de um aposento para o outro, falando baixinho e olhando
com certa reverência o luxo inacreditável, as camas, os colchões de penas, os espelhos, os sofás de crina,
o tapete de Bruxelas, a litografia da Rainha Vitória sobre a lareira da sala. Quando desciam as escadas,
deram pela falta de Mimosa. Voltando, descobriram-na no quarto principal. Havia apanhado no toucador
da Sra. Jones um pedaço de fita azul e segurava-o contra a espádua, admirando-se no espelho, com
trejeitos ridículos. Repreenderam-na acerbamente e saíram todos. Alguns presuntos, pendurados na
cozinha, foram levados para fora e enterrados; o barril de cerveja da copa foi rebentado com um coice de
Sansão; além disso, nada mais foi tocado na casa. Ali mesmo foi aprovada por unanimidade a resolução
de conservá-la como museu. Concordaram em que nenhum animal jamais deveria habitá-la.
Os bichos tomaram a refeição matinal e foram outra vez convocados por Bola-de-Neve e Napoleão.
- Camaradas - disse Bola-de-Neve -, seis e quinze, e temos um longo dia pela frente. Iniciaremos hoje a
colheita do feno. Mas antes há um outro assunto para tratarmos.
Os porcos revelaram que durante os últimos três meses haviam aprendido a ler e escrever, num velho
livro de ortografia dos filhos de Jones, que fora jogado no lixo. Napoleão mandou buscar latas de tinta
preta e branca e conduziu-os até a porteira das cinco barras que dava para a estrada principal. Então,
Bola-de-Neve (que era quem escrevia melhor) pegou o pincel entre as juntas da pata, apagou o nome
GRANJA DO SOLAR do travessão superior e, em seu lugar escreveu GRANJA DOS BICHOS. Seria
esse o nome da granja daquele momento em diante. Depois disso, voltaram para as casas da granja;
Bola-de-Neve e Napoleão mandaram buscar uma escada e ordenaram que fosse encostada à parede do
fundo do celeiro grande. Explicaram que, segundo os estudos que haviam feito nos últimos três meses,
era possível resumir os princípios do Animalismo em Sete Mandamentos. Esses Sete Mandamentos, que
seriam agora escritos na parede, constituiriam a lei inalterável pela qual a Granja dos Bichos deveria
reger sua vida a partir daquele instante, para sempre.
Com alguma dificuldade (pois não é fácil um porco equilibrar-se numa escada de mão), Bola-de-Neve
subiu e começou a trabalhar, enquanto Garganta, alguns degraus abaixo, segurava a lata de tinta. Os
Mandamentos foram escritos na parede alcatroada em grandes letras brancas que podiam ser lidas a
muitos metros de distância.
Eis o que dizia o letreiro:
OS SETE MANDAMENTOS
1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
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6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais.
Estava tudo muito bem escrito, com exceção da palavra "álcool", que foi escrita "álcol", e de um dos
esses, que foi desenhado ao contrário. O conjunto ficou bastante bom, e Bola-de-Neve leu-o em voz alta
para os demais. Todos os animais balançaram a cabeça, de pleno acordo, e os mais vivos começaram
imediatamente a decorar os Mandamentos.
- E agora, camaradas - disse Bola-de-Neve, deixando cair o pincel, ao campo de feno! É uma questão de
honra realizar a colheita em menos tempo do que Jones e seus homens. .-
Nesse momento, porém, as vacas, que já vinham dando sinais de inquietação, começaram a mugir. Havia
vinte e quatro horas que não eram ordenhadas e estavam com os úberes quase estourando. Depois de
alguma reflexão, os porcos pediram baldes e ordenharam as vacas com relativo êxito, pois seus cascos
adaptavam-se bem à tarefa. Em breve obtinham cinco baldes de um leite espumante e cremoso, que
muitos bichos olharam com considerável interesse.
- Que vamos fazer com esse leite? - perguntou alguém.
- Jones às vezes misturava um pouco ao nosso farelo - disse uma galinha.
- Não se preocupem com o leite, camaradas! - gritou Napoleão, postando-se à frente dos baldes.
- Nós trataremos deste assunto. A colheita é mais importante. O camarada Bola-de-Neve os conduzirá.
Eu seguirei dentro de alguns minutos. Avante, camaradas! O feno está à espera.
Os animais marcharam rumo ao campo de feno, para o início da colheita, e quando voltaram, à tardinha,
notaram que o leite havia desaparecido.
CAPÍTULO III
E como trabalharam para juntar aquele feno! Mas o esforço foi recompensado, pois a colheita deu um
resultado muito melhor do que esperavam.
Por vezes, a tarefa foi dura; os implementos destinavam-se ao uso de seres humanos e foi uma enorme
desvantagem o fato de nenhum bicho poder utilizar ferramentas que exigissem a posição em pé sobre as
patas traseiras. Mas os porcos eram tão imaginosos que conseguiram contornar todas as dificuldades. Os
cavalos conheciam cada palmo do terreno e na realidade sabiam ceifar e raspar muito melhor do que
Jones e os empregados, Os porcos não trabalhavam, propriamente, mas dirigiam e supervisionavam o
trabalho dos outros. Donos de conhecimentos maiores, era natural que assumissem a liderança. Sansão e
Quitéria atrelavam-se à ceifadeira ou à grade (naturalmente não havia mais necessidade de freios e
rédeas) e andavam pelo campo para lá e para cá, com um porco atrás gritando "Eia, camarada!" ou "A
volta, agora, camarada!", conforme o caso. E cada animal, até os mais modestos, trabalhou para colher e
juntar o feno. Até os patos e as galinhas andavam o dia inteiro sob o sol, carregando no bico pequeninos
feixes de feno. Enfim, terminaram a colheita dois dias antes do tempo que Jones e seus empregados
normalmente levavam. Mas, além disso, foi a maior colheita que jamais se realizara ali. Não houve
qualquer desperdício; as galinhas e os patos, com sua vista penetrante, juntaram até o menor talinho. E
nenhum animal na granja roubou sequer uma bocada.
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Durante todo aquele verão o trabalho da granja andou como um relógio. Os bichos, felizes como nunca.
Cada bocado de comida constituía um extremo prazer, agora que a comida era realmente deles,
produzida por eles e para eles, em vez de distribuída em pequenas quantidades por um dono cheio de má
vontade. Ausentes os inúteis parasitas humanos, mais sobrava para cada um. Havia também mais lazer,
muito embora os animais fossem inexperientes nisso. Encontraram muitas dificuldades - por exemplo, no
fim do ano, quando colheram os cereais, foram obrigados a pisá-los, à moda antiga, e soprar as cascas,
pois a granja não possuía uma debulhadeira -, mas os porcos, com a inteligência, e Sansão, com seus
músculos fantásticos, sobrepujavam-nas. Sansão era a admiração de todos. Já era trabalhador no tempo
de Jones; agora, como que valia por três. Dias houve em que todo trabalho da granja parecia recair sobre
seus fortes ombros. Da manhã à noite lá estava ele, puxando e empurrando, sempre, no lugar onde o
trabalho era mais pesado. Fizera um trato com um dos galos para ser chamado meia hora mais cedo que
os demais, todas as manhãs, e empregava esse tempo em trabalho voluntário no que parecesse mais
necessário. Sua solução para cada problema, para cada contratempo, era "Trabalharei mais ainda", frase
que adotara como seu lema particular.
Cada qual trabalhava de acordo com sua capacidade. As galinhas e os patos, por exemplo, economizaram
cinco baldes de trigo, na colheita, juntando os grãos extraviados. Ninguém roubava, ninguém
resmungava a respeito das rações. A discórdia, as mordidas, o ciúme, coisas normais nos velhos tempos,
tinham quase desaparecido. Ninguém se esquivava ao trabalho - ou quase ninguém. Ë bem verdade que
Mimosa não gostava de levantar cedo e costumava abandonar o trabalho antes dos demais, sob o pretexto
de estar com uma pedra encravada no casco. E o comportamento do gato era um tanto estranho. Em
seguida notou-se que ele nunca podia ser encontrado quando havia trabalho por fazer. Desaparecia
durante várias horas consecutivas e voltava a aparecer à hora das refeições, ou à tardinha, após o fim dos
trabalhos, como se nada houvesse acontecido. Apresentava, porém, desculpas tão boas e rosnava de
maneira tão carinhosa, que era impossível não crer em suas boas intenções. O velho Benjamim, o burro,
nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa da mesma forma obstinadamente lenta com que o
fazia nos tempos de Jones. Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para
extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião. Quando lhe perguntavam se
não era mais feliz, agora que Jones se havia ido, respondia apenas "Os burros vivem muito tempo.
Nenhum de vocês jamais viu um burro morto", e os outros tinham que contentar-se com essa obscura
resposta.
Aos domingos, não se trabalhava. A refeição da manhã era uma hora mais- tarde e, depois dela, havia
uma cerimônia que se realizava todas as semanas, indefectivelmente. Começava com o hasteamento da
bandeira. Bola-de-Neve achara, no depósito, uma velha toalha verde de mesa e pintara no centro, em
branco, um chifre e uma ferradura. Essa era bandeira que subia ao topo do mastro todos os domingos
pela manhã. O verde da bandeira, explicava Bola-de-Neve, representava os verdes campos da Inglaterra,
ao passo que o chifre e a ferradura simbolizavam a futura República dos Bichos, cujo advento teria lugar
no dia em que o gênero humano, enfim, desaparecesse. Após o hasteamento da bandeira, iam todos ao
grande celeiro, para assistir a uma assembléia geral conhecida como "a Reunião". Lá planejavam o
trabalho da semana seguinte e discutiam as resoluções. Estas eram sempre apresentadas pelos porcos. Os
outros animais aprenderam a votar, mas nunca conseguiram imaginar uma resolução por conta própria.
Bola-de-Neve e Napoleão eram sempre mais ativos nos debates. Notou-se, porém, que dois nunca
estavam de acordo: qualquer sugestão de um podia contar, na certa, com a oposição do outro.
Mesmo quando, se resolveu - coisa que, em si, não podia sofrer a objeção de ninguém - que o potreiro
situado além do pomar seria reservado para os animais aposentados, houve uma agitada discussão a
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respeito da idade de aposentadoria para cada classe de animal. A Reunião era encerrada sempre com o
hino Bichos da Inglaterra, e a tarde destinava-se à recreação.
Os porcos reservaram o depósito de ferramentas para sede da direção. Ali, à noite, estudavam mecânica,
carpintaria e outras artes necessárias, em livros trazidos da casa-grande. Bola-de-Neve ocupava-se
também da organização dos outros bichos por meio dos chamados Comitês de Animais. Formou o
Comitê da Produção de Ovos, para as galinhas; a Liga das Caudas Limpas, para as vacas; o Comitê de
Reeducação dos Animais Selvagens (cujo objetivo era domesticar os ratos e os coelhos); o Movimento
Pró Mais Branca, que congregava as ovelhas; e outros mais, além da criação de classes para ensinar a ler
escrever. No conjunto, esses projetos foram um fracasso. A tentativa de domesticar as criaturas
selvagens, por exemplo, falhou em pouco tempo. Elas continuaram a portar-se como dantes, e
simplesmente tiravam vantagem do fato de serem tratadas com generosidade. O gato ingressou no
Comitê de Reeducação e por algum tempo andou muito ativo. Um dia foi visto, sentado num telhado, a
doutrinar alguns pardais pousados pouco além do seu alcance. Dizia-lhes que todos os animais agora
eram camaradas e qualquer pardal que o desejasse poderia vir pousar na sua mão; mas os pardais
preferiram ficar de longe.
As classes de ler e escrever, ao contrário, constituíram enorme sucesso. Já no outono quase todos os
bichos estavam, uns mais, outros menos, alfabetizados.
Os porcos já liam e escreviam muito bem. Os cachorros aprenderam a ler razoavelmente, porém se
interessavam pela leitura de nada além dos Sete Mandamentos. Maricota, a cabra, lia um pouco melhor
que os cachorros e costumava ler para os demais, à noite, os pedaços de jornal que achava no lixo.
Benjamim sabia ler tão bem quanto os porcos, mas não exercia sua faculdade. Ao que sabia - costumava
dizer -, nada havia que valesse a pena ler. Quitéria aprendeu todo o alfabeto, mas não conseguia juntar as
letras. Sansão não foi capaz de ir além da letra D. Desenhava na areia, com a pata, as letras A, B, C, D, e
ficava olhando, com as orelhas murchas, às vezes sacudindo o topete, tentando com todas as suas forças
lembrar-se do que vinha depois, inutilmente. É verdade que em várias ocasiões aprendeu E, F, G, H, mas
ao consegui-lo, descobria sempre que havia esquecido A, B, C e D. Afinal, decidiu contentar-se com as
quatro primeiras letras e costumava escrevê-las uma ou duas vezes por dia, a fim de refrescar a memória.
Mimosa recusou-se a aprender mais do que as seis letras que compunham seu nome. Formava-as, bem
certinhas, com pedaços de ramos, enfeitava o conjunto com uma ou duas flores e ficava andando à volta,
a admirá-las.
Nenhum dos outros animais da granja chegou além da letra A. Notou-se também que os mais estúpidos,
tais como as ovelhas, as galinhas e os patos, eram incapazes de aprender de cor os Sete Mandamentos.
Depois de muito pensar, Bola-de-Neve declarou que, na verdade, os Sete Mandamentos podiam ser
condensados numa única máxima, que era: "Quatro pernas bom, duas pernas ruim." Aí se continha
segundo disse ele, o princípio essencial do Animalismo. Quem o seguisse firmemente, estaria a salvo das
influências humanas. A princípio, os pássaros fizeram objeção, pois lhes parecia que estavam no caso das
duas pernas, porém Bola-de-Neve provou que tal não acontecia:
- A asa de uma ave, camaradas, é um órgão de propulsão e não de manipulação. Deveria ser olhada mais
como uma perna. O que distingue o Homem é a mão, o instrumento com que perpetra toda a sua
maldade.
As aves não compreenderam as palavras de Bola-de-Neve, mas aceitaram a explicação, e os bichos mais
modestos dedicaram-se a aprender de cor a nova máxima, QUATRO PERNAS BOM, DUAS PERNAS
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RUIM, e que foi escrita na parede do fundo do celeiro, acima dos Sete Mandamentos e com letras bem
maiores. Depois que conseguiram decorá-la, as ovelhas tomaram-se de uma enorme predileção por essa
máxima, e freqüentemente, deitadas na relva, ficavam a balir "Quatro pernas bom, duas pernas ruim!
"Quatro pernas bom, duas pernas ruim!" durante horas a fio.
Napoleão não tomou interesse algum pelos comitês de Bola-de-Neve. Dizia que a educação dos jovens
era mais importante do que qualquer coisa em favor dos adultos. Aconteceu que Lulu e Ferrabrás deram
cria, logo após a colheita de feno, a nove robustos cachorrinhos. Tão logo foram desmamados, Napoleão
tirou-os de suas mães dizendo que ele próprio se responsabilizaria por sua educação. Levou-os para um
sótão que só podia ser atingido pela escada do depósito, e os manteve em tal reclusão que o resto da
fazenda logo se esqueceu de sua existência.
O mistério do leite pronto se esclareceu. Era misturado à comida dos porcos. As maçãs estavam
amadurecendo e a grama do pomar cobria-se de frutas derrubadas pelo vento. Os bichos tinham como
certo que as frutas deveriam ser distribuídas eqüitativamente; certo dia, porém, chegou a ordem para que
todas as frutas caídas fossem recolhidas e levadas ao depósito das ferramentas, para consumo dos porcos.
Alguns bichos murmuraram a respeito, mas foi inútil. Os porcos estavam todos de acordo sobre esse
ponto, até mesmo Bola-de-Neve e Napoleão. Garganta foi enviado aos outros, para dar explicações.
- Camaradas! - gritou. - Não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de
egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem gostamos de leite e de maçã. Eu, por exemplo, não gosto.
Nosso único objetivo ao ingerir essas coisas é preservar nossa saúde. O leite e a maçã (está provado pela
Ciência, camaradas) contêm substâncias absolutamente necessárias à saúde dos porcos. Nós, os porcos,
somos trabalhadores intelectuais. A organização e a direção desta granja repousam sobre nós. Dia e noite
velamos por vosso bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs.
Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem em sua missão? Jones voltaria! Jones voltaria! Com toda
certeza, camaradas - gritou Garganta, quase suplicante, dando pulinhos de um lado para outro e
sacudindo o rabicho -,com toda certeza, não há dentre vós quem queira a volta de Jones.
Ora, se algo havia sobre o que todos animais estavam de acordo, era o fato de nenhum desejar volta de
Jones. Quando o assunto lhes foi posto sob essa luz, não tiveram mais o que dizer. A importância de
manter a boa saúde dos porcos tornou-se óbvia. Foi, portanto, resolvido sem mais discussões que o leite e
as maçãs caídas (bem como toda colheita de maçãs, quando amadurecessem) seriam reservados para os
porcos.
CAPÍTULO IV
Pelo fim do verão, a notícia do que sucedia na Granja dos Bichos já se espalhara pelo condado. Todos os
dias, Bola-de-Neve e Napoleão enviavam formações de pombos com instrução de misturar- se aos
animais das granjas vizinhas, contar-lhes a história da Revolução e ensinar-lhes a melodia de Bichos da
Inglaterra.
Jones passava a maior parte desse tempo no Leão Vermelho, em Willingdon, queixando-se, a quem
quisesse ouvi-lo, da monstruosa injustiça que sofrera ao ser expulso de sua granja por uma súcia de
animais imprestáveis. Os outros granjeiros eram lhe simpáticos, em princípio, mas inicialmente não lhe
deram muita ajuda. No fundo, cada um imaginava secretamente alguma forma de tirar vantagem do
infortúnio de Jones. Era uma sorte que os proprietários das granjas adjacentes à dos bichos estivessem
permanentemente em más relações. Uma delas, chamada Foxwood, era uma granja grande, abandonada e
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antiquada, coberta de mato, com as pastagens cansadas e as cercas caindo.
O proprietário, Sr. Pilkington, era um sujeito indolente, granjeiro que passava a maior parte do seu tempo
caçando ou pescando, conforme a estação. A outra granja, chamada Pinchfield, era menor e mais bem
tratada. Seu proprietário era o Sr. Frederick, homem rude e sagaz, permanentemente envolvido em
processos na justiça e com a reputação de levar a cabo barganhas muito difíceis. Os dois se hostilizavam
tanto que lhes era sumamente difícil chegar a qualquer acordo, mesmo em defesa de seus próprios
interesses.
Todavia, ambos estavam assustados com a Revolução na Granja dos Bichos e desejosos de prevenir que
seus próprios animais tomassem maior conhecimento do assunto. De início, acharam graça na idéia de
bichos gerirem por si próprios uma granja. O caso todo estaria acabado numa quinzena, diziam. E diziam
também que os animais da Granja do Solar (insistiam em chamá-la Granja do Solar; não admitiam o
nome "Granja dos Bichos") estavam lutando entre si e não tardariam a definhar até morrer. Como o
tempo passava e os animais evidentemente não definhavam, Frederick e Pilkington mudaram de tom e
começaram então a falar nas terríveis perversidades que estavam ocorrendo na Granja dos Bichos.
Comentavam que os animais praticavam o canibalismo, torturavam uns aos outros com ferraduras ao
rubro e tinham suas fêmeas em comum. Isso era o que advinha do desrespeito às leis da Natureza, diziam
Frederick e Pilkington.
Entretanto, nunca ninguém acreditou nessas histórias. Boatos de um sítio maravilhoso, de onde haviam
sido expulsos os seres humanos e onde os bichos tomavam conta dos próprios negócios, continuavam a
circular, em formas vagas e desfiguradas, e durante todo aquele ano uma onda de revolta percorreu a
região. Bois que sempre haviam sido tratáveis, repentinamente se tornaram selvagens, as ovelhas
derrubavam cercas e comiam o trevo, as vacas davam coices nos baldes, os cavalos de salto refugavam
os obstáculos, jogando os cavaleiros do outro lado. Sobretudo, a melodia e mesmo a letra de Bichos da
Inglaterra tornavam-se conhecidas em toda parte. Espalhavam-se com espantosa rapidez. Os humanos
não podiam conter a raiva ao ouvirem essa canção, embora quisessem encará-la como simplesmente
ridícula. Não conseguiam compreender, diziam, que mesmo animais chegassem ao ponto de cantar
aquela porcaria. O bicho que fosse apanhado a cantá-la, seria chicoteado. Ainda assim, a canção era
irreprimível. Os melros cantavam-na pousados nas cercas, as pombas arrulhavam-na nos olmeiros, e ela
aparecia nas marteladas dos ferreiros e no bimbalhar dos sinos das igrejas. Ao ouvirem-na, os seres
humanos tremiam secretamente ante aquela mensagem que previa sua desgraça
No início de outubro, quando o trigo já fora colhido, amontoado, e em parte até debulhado, uma revoada
de pombos chegou em turbilhão e pousou no pátio da Granja dos Bichos, presa de grande excitação.
Jones e todos os seus homens, mais meia dúzia de outros homens de Foxwood e Pinchfield, haviam
penetrado pela porteira das cinco barras e vinham subindo a trilha que conduzia à fazenda. Todos
armados de bastões, exceto Jones, que marchava à frente com uma espingarda na mão. Era,
evidentemente, uma tentativa de recuperar a granja
Há muito isso era esperado, e os preparativos estavam feitos. Bola-de-Neve, que estudara um velho livro
sobre as campanhas de Júlio César, encontrado na casa-grande, estava encarregado das operações
defensivas. Rapidamente deu suas ordens, e em pouco tempo cada animal estava em seu posto.
Quando os homens chegaram perto das casas, Bola-de-Neve lançou o primeiro ataque. Os pombos, em
número de trinta e cinco, voaram por cima dos homens e defecaram no ar sobre eles; enquanto os
homens atrapalhavam-se com isso. Os gansos, até então escondidos nas sebes, avançaram e bicaram-lhes
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as pernas energicamente Mas isso era apenas uma pequena manobra de escaramuça, destinada a criar
confusão, e os homens facilmente espantaram os gansos com os bastões Então, Bola-de-Neve lançou sua
segunda linha de ataque. Maricota, Benjamim e as ovelhas, com Bola-de-Neve à frente, arremeteram
sobre os homens, marrando, mordendo e escoiceando-os por todos os lados. Novamente, porém, os
homens com os bastões e os coturnos rústicos foram mais fortes; e de repente, a um guincho de
Bola-de-Neve que era o sinal para bater em retirada, todos os bichos volveram a frente e fugiram para
dentro do pátio; através do portão.
Os homens soltaram um brado de triunfo. Viram, tal como haviam imaginado, seus inimigos em fuga e
lançaram-se no encalço, desordenadamente. Era justamente o que Bola-de-Neve desejava. Tão logo eles
entraram no pátio, os três cavalos, as três vacas e o restante dos porcos, que estavam emboscados atrás do
estábulo, surgiram-lhes de inopino à retaguarda, cortando a retirada. Bola-de-Neve deu o sinal de carga.
Ele próprio correu na direção de Jones. Vendo-o, Jones levantou a arma e atirou. Os projéteis abriram
riscos sangrentos no dorso de Bola-de-Neve e uma ovelha caiu morta. Sem titubear um só instante,
Bola-de-Neve lançou os seus cem quilos contra as pernas de Jones. O homem foi jogado sobre um monte
de esterco, e a arma voou-lhe das mãos. Porém, o espetáculo mais terrível, entre tudo era Sansão,
erguendo-se nos posteriores e dando manotaços com seus cascos ferrados, feito um garanhão. Logo ao
primeiro golpe atingiu o crânio de um cavalariço de Foxwood, prostrando-o sem vida na lama. Ante isso,
vários homens largaram os bastões e tentaram correr. O pânico tomou conta deles, e em poucos
momentos os animais os caçavam em volta do pátio. Foram chifrados, batidos, mordidos e atropelados.
Não houve bicho da granja que não tirasse desforra, cada um à sua moda. Até o gato, inesperadamente,
saltou de um telhado sobre as costas de um peão, cravando-lhe as unhas no pescoço e fazendo o homem
dar um berro de dor. Em dado momento, desimpedida a saída, os homens conseguiram fugir do pátio e
correram desabaladamente rumo à estrada principal. E assim, poucos minutos após a invasão, batiam em
vergonhosa retirada pelo mesmo caminho da vinda, com uma multidão de gansos no seu encalço,
bicando-lhes as pernas sem piedade.
Todos os homens haviam fugido, exceto um. No pátio, Sansão empurrava, com a pata, o cavalariço que
jazia de bruços na lama, tentando virá-lo. Mas o rapaz não se mexia.
- Está morto - disse Sansão penalizado. Eu não queria fazer isso. Esqueci que estava usando ferraduras.
Quem acreditará que não fiz de propósito?
- Nada de sentimentalismos, camarada! - gritou Bola-de-Neve, de cujos ferimentos o sangue jorrava. -
Guerra é guerra. Ser humano bom ser humano morto.
- Eu não desejo tirar a vida de quem quer que seja, nem mesmo de um ser humano - repetiu Sansão com
os olhos cheios de lágrimas.
- Onde está Mimosa? - perguntou alguém.
Mimosa, realmente, havia desaparecido. Por momentos houve grande alarma. Temeu-se que homens a
tivessem ferido, ou mesmo a levado com eles. Por fim, foi encontrada, em sua própria baia com a cabeça
escondida no feno da manjedoura. Havia fugido no momento do tiro da espingarda. E quando voltaram,
após encontrá-la, foi para descobrir que o cavalariço, que na verdade havia apenas desmaiado, já voltara
a si e desaparecera. Os bichos, então, tornaram a reunir-se, presas da maior excitação, cada qual narrando
suas façanhas na batalha com a voz mais alta que conseguia. Uma celebração de improviso realizou-se
imediatamente. A bandeira foi hasteada e cantaras Bichos da Inglaterra muitas vezes, depois a ovelha
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morta recebeu funerais solenes, sendo plantado em seu túmulo um ramo de espinheiro. Ao pé do túmulo,
Bola-de-Neve fez um pequeno discurso, pondo em relevo a necessidade de todos os animais estarem
prontos a morrer pela Granja dos Bichos, se necessário.
Os animais decidiram, por unanimidade, criar uma condecoração militar, a "Herói Animal, Primeira
Classe", que foi conferida ali mesmo a Bola-de-Neve e a Sansão. Consistia numa medalha de bronze
(era, na realidade, bronze dos arreios achados no galpão de ferramentas) para ser usada nos domingos e
feriados. Criaram também a "Herói Animal, Segunda Classe", conferida postumamente à ovelha morta.
Houve muita discussão quanto ao nome que seria dado à batalha. Por fim, foi batizada de Batalha do
Estábulo, pois fora o lugar onde se armara a emboscada. A espingarda de Jones foi encontrada na lama.
Como existisse uma boa quantidade de cartuchos na casa-grande, ficou decidido que colocariam a
espingarda ao pé do mastro, como se fosse uma peça de artilharia, e dariam uma salva duas vezes ao ano
- uma no dia 12 de outubro, aniversário da Batalha do Estábulo, e outra no dia 24 de junho, aniversário
da Revolução.
CAPÍTULO V
Com o passar do inverno, Mimosa tornava-se mais e mais importuna. Todas as manhãs atrasava-se para o
trabalho e desculpava-se dizendo que dormira demais. Queixava-se de dores - misteriosas, embora
gozasse de excelente apetite. A qualquer pretexto largava o trabalho e ia para o açude, à beira do qual
permanecia admirando sua própria imagem refletida nas águas. Corriam também boatos de maior
seriedade. Um dia, quando Mimosa entrou no pátio, toda contente, sacudindo a cauda e mascando um
talo de feno, Quitéria abordou-a.
- Mimosa - disse ela -, tenho um assunto muito sério para falar-lhe. Hoje de manhã eu a vi olhando por
cima da sebe que separa a Granja de Foxwood. Do outro lado estava um dos empregados do Sr.
Pilkington. Ele - embora eu estivesse longe, tenho quase certeza de que vi isso - falava com você e fazia
festas em seu focinho. Que significa isso. Mimosa? - - . .
- Ele não fez! Eu não estava! Não é verdade! - gritou Mimosa, agitando-se e escarvando a terra. -
- Mimosa! - Olhe-me nos olhos. Você me dá sua palavra de honra de que o homem não lhe tocou no
focinho? .
- Não é verdade! - repetiu Mimosa, sem olhar Quitéria de frente; depois, virou-se e galopou para o
campo.
Quitéria teve uma idéia. Sem dizer nada a ninguém, foi à baia de Mimosa e virou a palha com o casco.
Ali estavam escondidos um montinho de torrões de açúcar e vários novelos de fitas de diversas cores.
Três dias mais tarde, Mimosa desapareceu. Durante algumas semanas ninguém teve notícias de seu
paradeiro, até que os pombos trouxeram o informe de que a haviam visto na parte mais afastada de
Willingdon, atrelada a uma bonita carroça vermelha e preta, em frente a uma estalagem. Um homem
gordo, de rosto vermelho, calças xadrez e polaina, com todo o tipo de estalajadeiro, dava-lhe pancadinhas
no focinho e oferecia-lhe torrões de açúcar. Seu pêlo fora recentemente rasqueteado e ela usava uma fita
escarlate no topete. Parecia muito satisfeita, segundo disseram os pombos. Os bichos nunca mais falaram
em Mimosa.
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Em janeiro, o tempo piorou terrivelmente. A terra dura como ferro, não permitia o trabalho no campo.
Houve muitas reuniões no celeiro grande, e os porcos passaram ao planejamento dos trabalhos a serem
realizados na estação seguinte. Fora acertado que os porcos, sendo manifestamente mais inteligentes do
que os outros animais, decidiriam todas as questões referentes à política agrícola da granja, embora suas
decisões devessem ser ratificadas pelo voto da maioria. Essa combinação teria funcionado muito bem,
não fossem as disputas entre Bola-de-Neve e Napoleão. Esses dois discordavam sobre todos os pontos
em que a discordância era possível. Se um deles propunha o aumento da área de plantio de cevada,
podia-se ter certeza de que o outro proporia uma área maior para o cultivo da aveia, e se um dissesse que
tais e tais terrenos eram ótimos para plantar repolhos, o outro diria que não prestavam senão para
mandioca. Cada um tinha seus seguidores e havia debates violentos. Nas reuniões, Bola-de-Neve
freqüentemente obtinha a maioria, por seus discursos brilhantes, porém Napoleão era o melhor na cabala
de apoio durante os intervalos. Obtinha êxito especial com as ovelhas. Ultimamente estas haviam criado
o hábito de balir "Quatro pernas bom, duas pernas ruim" em ocasiões próprias ou impróprias, e muitas
vezes interrompiam a reunião dessa maneira. Notou-se que mostravam especial disposição de atacar o
"Quatro pernas bom, duas pernas ruim", justamente quando Bola-de-Neve chegava a um momento
crucial em seus discursos. Bola-de-Neve estudara atentamente alguns números atrasados da revista O
Agricultor e o Criador de Gado, encontrados na casa-grande, e andava com a cabeça cheia de planos
sobre invenções e melhoramentos. Falava com grande conhecimento de causa sabre drenagens,
ensilagem, escórias básicas, e havia elaborado um complexo esquema segundo o qual os bichos
evacuariam diretamente no campo, em lugares diferentes cada dia, para economizar o trabalho do
transporte de esterco. Napoleão não criava projetos próprios, mas dizia com toda calma que os de
Bola-de-Neve dariam em nada e parecia aguardar sua oportunidade. De todas as divergências, porém,
nenhuma foi tão séria como a do moinho de vento.
Não muito longe das casas havia uma colina que era o ponto mais alto da granja. Depois de realizar uma
pesquisa no solo, Bola-de-Neve declarou ser o local ideal para a construção de um moinho de vento, que
poderia acionar um dínamo e suprir de energia elétrica toda a granja. As baias teriam luz elétrica e
aquecimento no inverno, haveria força para uma serra circular, para moagem de cereais, para o corte da
beterraba e para um sistema de ordenha elétrica. Os animais nunca tinham sequer ouvido falar nessas
coisas (pois a granja era antiquada e sua aparelhagem das mais primitivas) e escutaram boquiabertos
Bola-de-Neve fazer desfilar como por encanto, ante sua imaginação, as figuras dos aparelhos mais
espetaculares, máquinas que fariam todo serviço em seu lugar, enquanto eles iriam aproveitar a folga
pastando ou cultivando a mente, por meio da leitura e da conversação.
Em poucas semanas os planos de Bola-de-Neve para o moinho de vento estavam prontos. Os detalhes
mecânicos foram retirados principalmente de três livros que haviam pertencido ao Sr. Jones - Mil Coisas
Úteis para Sua Casa, Seja o Seu Próprio Pedreiro e Eletricidade para Principiantes. Bola-de-Neve utilizou
como estúdio um galpão que antes abrigara incubadoras e cujo piso era de madeira lisa, própria para
desenhar. Lá permanecia horas a fio. Com os livros abertos sob o peso de uma pedra, e uma barra de giz
entre as duas pontas do casco, andava rapidamente para lá e para cá, traçando linhas e mais linhas e
soltando guinchos de excitação.
Gradualmente, os planos se transformaram numa complicada massa de manivelas e engrenagens que
cobria quase metade do assoalho e que os outros animais achavam completamente ininteligível, mas
impressionante. Pelo menos uma vez por dia, cada um vinha olhar os desenhos de Bola-de-Neve. Até as
galinhas e os patos apareciam, pisando com grande dificuldade para não estragar os riscos de giz. Apenas
Napoleão permaneceu desinteressado. Havia-se declarado contra o moinho de vento desde o início. Um
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dia, entretanto, chegou inesperadamente para examinar os planos. Caminhou pesadamente em volta do
galpão, olhou detidamente cada detalhe do projeto, farejou-o uma ou duas vezes, depois deteve-se a
contemplá-lo por alguns instantes pelo canto dos olhos; então, inesperadamente, levantou a pata, urinou
sobre os planos e caminhou para fora sem proferir palavra. A granja estava profundamente dividida com
respeito ao moinho de vento. Bola-de-Neve não negava que sua construção resultaria em uma empresa
difícil. Seria necessário quebrar pedras e transformá-las em paredes; depois, construir as pás; haveria
necessidade de dínamos e fios (onde seriam encontrados, Bola-de-Neve não dizia). Mas afirmava que
tudo poderia ser feito dentro de um ano. Depois disso - dizia -, os bichos economizariam tanta energia,
que seriam necessários apenas. três dias de trabalho por semana. Napoleão, por outro lado, argumentava
que a grande necessidade do momento era aumentar a produção de alimentos e que morreriam de fome
se perdessem tempo com o moinho de vento. Os animais dividiram-se em duas facções que se alinhavam
sob os slogans: "Vote em Bola-de-Neve e na semana de três dias" e "Vote em Napoleão e na manjedoura
cheia". Benjamim foi o único animal que não aderiu a lado nenhum. Recusava-se a crer, tanto em que
haveria fartura de alimento, como em que o moinho de vento economizaria trabalho. Moinho ou não
moinho, dizia ele, a vida prosseguiria como sempre fora - ou seja, mal.
Além da disputa sobre o moinho de vento, havia o problema da defesa da granja. Eles bem sabiam que,
embora os humanos tivessem sido derrotados na Batalha do Estábulo, poderiam fazer outra tentativa,
mais reforçada, para retomar a granja e restaurar Jones. Tinham as melhores razões para tentar, pois a
notícia, da derrota, se espalhara pela região e tornara os animais das granjas vizinhas mais rebeldes do
que nunca. Como sempre, Bola-de-Neve e Napoleão não estavam de acordo. Segundo Napoleão o que os
animais deveriam fazer era conseguir armas de fogo e instruir-se no seu emprego. Bola-de-Neve achava
que deveriam enviar mais e mais pombos e provocar a rebelião entre os bichos das outras granjas. O
primeiro argumentava que, se não fossem capazes de defender-se, estavam destinados à submissão; o
outro alegava que, fomentando revoluções em toda parte, não teriam necessidade de defender-se. Os
animais ouviam Napoleão, depois Bola-de-Neve e não chegavam à conclusão sobre quem tinha razão; á
verdade é que estavam sempre de acordo com, aquele que falava no momento.
Por fim, chegou o dia em que os planos de Bola-de-Neve ficaram prontos. Na Reunião do domingo
seguinte deveria ser posta em votação a questão de começar ou não o trabalho no moinho de vento.
Quando os animais se reuniram no grande celeiro, Bola-de-Neve levantou-se e, embora fosse
interrompido de vez em quando pelo balido das ovelhas, expôs suas razões em favor da construção do
moinho de vento. Depois levantou-se Napoleão para rebater.
Disse calmamente que o moinho de vento era uma tolice, que não aconselhava ninguém a votar a favor
daquilo. Sentou-se de novo; falara durante trinta segundos, se tanto, e parecia indiferente ao resultado.
Ante isso, Bola-de-Neve pôs-se de pé outra vez, calou a gritos as ovelhas que começavam a balir de novo
e irrompeu num candente apelo em favor do moinho de vento. Até então, os bichos estavam quase
igualmente divididos em suas simpatias, mas num instante de eloqüência Bola-de-Neve arrastou a todos.
Com sentenças ardentes, pintou um quadro de como poderia ser a Granja dos Bichos quando o trabalho
sórdido fosse sacudido de sobre os ombros de todos. Sua imaginação ia agora além de moinhos de
cereais e cortadores de nabos. A eletricidade - disse ele- poderia movimentar debulhadoras, arados,
grades rolos compressores, ceifeiras e atadeiras, além de fornecer a cada baia sua própria luz, água
quente e fria, e um aquecedor elétrico. Quando parou de falar, não havia dúvidas quanto ao resultado da
votação. Porém, exatamente nesse momento Napoleão levantou-se e, dando uma estranha olhadela de
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viés para Bola-de-Neve, soltou um guincho estridente que ninguém ouvira antes.
Ouviu-se um terrível ladrido lá fora e nove cães enormes, usando coleiras tachonadas com bronze,
entraram latindo no celeiro. Jogaram-se sobre Bola-de-Neve, que saltou do lugar onde estava, mal a
tempo de escapar àquelas presas. Num instante, saiu porta fora com os cães em seu encalço. Espantados e
aterrorizados demais para falar, os bichos amontoaram-se na porta para observar a caçada. Bola-de-Neve
corria pelo campo em direção à estrada, como só um porco sabe correr, mas os cachorros se
aproximavam. De repente ele caiu e pareceu que o apanhariam. Mas levantou-se outra vez e correu como
um desesperado. Já os cães o alcançavam de novo. Um deles quase fechou as mandíbulas no rabicho de
Bola-de-Neve, que o sacudiu bem na hora. Aí fez um esforço extremo e, ganhando algumas polegadas,
enfiou-se por um buraco da sebe e sumiu.
Calados e aterrados, os animais voltaram furtivamente para dentro do celeiro. Logo chegaram os
cachorros, latindo. A princípio ninguém pôde imaginar de onde tinham vindo - aquelas criaturas, mas o
mistério logo se aclarou: eram os cachorrinhos que Napoleão havia tomado às mães e criado
secretamente. Embora ainda não tivessem completado o crescimento, já eram uns cães enormes e
mal-encarados como lobos. Permaneceram junto a Napoleão e notou-se que sacudiam a cauda para ele da
mesma maneira como os outros cachorros costumavam fazer para Jones.
Napoleão, com os cachorros a segui-lo, subiu para o estrado, de onde o Major fizera seu discurso.
Anunciou que daquele momento em diante terminariam as Reuniões dos domingos de manhã. Eram
desnecessárias perdas de tempo. Para o futuro, todos os problemas relacionados com o funcionamento da
granja seriam resolvidos por uma comissão de porcos, presidida por ele, que se reuniria em particular e
depois comunicaria suas decisões aos demais. Os animais continuariam a reunir-se aos domingos para
saudar a bandeira, cantar Bichos da Inglaterra e receber as ordens da semana; não haveria debates.
A despeito do estado de choque em que a expulsão de Bola-de-Neve os deixara, os bichos ficaram
desalentados com aquela notícia. Vários teriam protestado, se conseguissem achar os argumentos. Até
Sansão ficou um tanto perturbado. Murchou as orelhas, sacudiu o topete várias vezes e fez um esforço
tremendo para pôr em ordem as idéias; mas afinal não conseguiu pensar nada para dizer. Alguns porcos,
porém, tinham maior flexibilidade de raciocínio. Quatro jovens porcos castrados, colocados na primeira
fila, soltaram altos guinchos de protesto e levantaram-se falando a um só tempo. Mas os cachorros, junto
de Napoleão, soltaram um rosnado fundo e ameaçador, e os porcos calaram-se, sentando-se de novo. Aí
estrondaram as ovelhas um formidável balido de "Quatro pernas bom, duas pernas ruim" que durou cerca
de um quarto de hora, acabando com qualquer hipótese de discussão. Mais tarde, Garganta foi mandado
percorrer a granja para explicar a nova situação aos demais.
- Camaradas - disse -, tenho certeza de que cada animal compreende o sacrifício que o Camarada
Napoleão faz ao tomar sobre seus ombros mais esse trabalho. Não penseis, camaradas, que a liderança
seja um prazer. Pelo contrário, é uma enorme e pesada responsabilidade. Ninguém mais que o Camarada
Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se pudesse deixar-vos tomar
decisões por vossa própria vontade; mas, às vezes, poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; então,
onde iríamos parar? Suponhamos que tivésseis decidido seguir Bola-de-Neve com suas miragens de
moinho de vento - logo Bola-de-Neve ~ que, como sabemos, não passava de um criminoso?
- Ele lutou bravamente na Batalha do Estábulo - disse alguém.
- Bravura não basta - respondeu Garganta.
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- A lealdade e a obediência são mais importantes. E quanto à Batalha do Estábulo, acredito, tempo virá
em que verificaremos que o papel de Bola-de-Neve foi um tanto exagerado. Disciplina, camaradas,
disciplina férrea! Este é o lema para os dias que correm. Um passo em falso e o inimigo estará sobre nós.
Por certo, camaradas, não quereis Jones de volta, hem?
Uma vez mais esse argumento era irrespondível. Sem dúvida alguma, os bichos não desejavam Jones de
volta; e se a realização dos debates do domingo podia ter essa conseqüência, que cessassem os debates.
Sansão, que já tivera tempo de pensar, expressou o sentimento geral: "Se é o que diz o Camarada
Napoleão, deve estar certo." E daí por diante adotou a máxima "Napoleão tem sempre razão"
acrescentando-a ao seu lema particular "Trabalharei mais ainda".
Já com o tempo melhor, iniciou-se a arada da primavera. O galpão em que Bola-de-Neve desenhara seus
planos para o moinho de vento foi trancado e os desenhos provavelmente apagados. Todos os domingos,
às dez horas, os animais reuniam-se no grande celeiro para receber as ordens da semana. A caveira do
velho Major, já sem carnes, fora desenterrada e colocada sobre um toco ao pé do mastro, junto à
espingarda. Após o hasteamento da bandeira, os animais deviam desfilar reverentemente perante a
caveira, antes de entrar no celeiro. Já não sentavam todos juntos, como antes. Napoleão, Garganta e outro
porco chamado Mínimo, dono de notável talento para compor canções e poemas, aboletavam-se sobre a
parte fronteira da plataforma, os nove cachorros em semicírculo ao redor deles e os outros porcos atrás.
O restante dos animais ficava de frente para eles, no chão do celeiro. Napoleão lia as ordens da semana
num áspero estilo militar e, após cantarem uma única vez Bichos da Inglaterra, os animais se
dispersavam.
No terceiro domingo após a expulsão de Bola-de-Neve, os bichos ficaram um tanto surpresos ao ouvirem
Napoleão anunciar que o moinho de vento seria, afinal de contas, construído. Não deu qualquer
explicação sobre o motivo que o fizera mudar de idéia, apenas alertando os animais de que essa tarefa
extraordinária significaria trabalho muito duro, podendo até ser necessário reduzir as rações. Os planos,
entretanto, haviam, sido elaborados até o último detalhe. Uma comissão especial de porcos trabalhara
neles durante as três últimas semanas. A construção do moinho de vento, com vários outros
melhoramentos, deveria levar dois anos.
Naquela tarde, Garganta explicou aos outros bichos, em particular, que Napoleão nunca for a contra a
construção do moinho de vento. Pelo contrário, ele é que advogara a idéia desde o início, e o plano que
Bola-de-Neve havia desenhado no assoalho do galpão das incubadoras fora, na realidade, roubado de
entre os papéis de Napoleão. O moinho de vento, era, em verdade, criação do próprio Napoleão.
- Por que, então - perguntou alguém -, ele tanto falou contra o moinho?
Garganta olhou, manhoso.
- Aí é que estava a esperteza do Camarada Napoleão - disse. - Ele fingira ser contra o moinho de vento,
apenas como manobra para livrar-se de Bola-de-Neve, que era um péssimo caráter e uma influência
perniciosa. Agora que Bola-de-Neve saíra do caminho, o plano podia prosseguir sem sua interferência.
Isso era uma coisa chamada tática.
Repetiu inúmeras vezes "Tática, camaradas, tática!", saltando à roda e sacudindo o rabicho com um riso
jovial. Os bichos não estavam muito certos do significado da palavra, mas Garganta falava tão
persuasivamente e os três cachorros - que por coincidência estavam com ele - rosnavam tão
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ameaçadoramente, que aceitaram a explicação sem mais perguntas.
CAPÍTULO VI
Durante o ano inteiro os bichos trabalharam feito escravos. Mas trabalhavam felizes; não mediam
esforços ou sacrifícios, cientes de que tudo quanto fizessem reverteria em benefício deles próprios e dos
de sua espécie, que estavam por vir, e não em proveito de um bando de preguiçosos e aproveitadores
seres humanos.
Por toda a primavera e o verão, enfrentaram uma semana de sessenta horas de trabalho e, em agosto,
Napoleão fez saber que haveria trabalho também nos domingos à tarde. Esse trabalho era estritamente
voluntário, porém, o bicho que não aceitasse teria sua ração diminuída pela metade. Mesmo assim, ficou
alguma coisa por fazer. A colheita foi pouco menor do que a do ano anterior, e duas lavouras que
deveriam receber mandioca no início do verão não foram plantadas por não ter sido possível ará-las a
tempo. Era fácil prever que o inverno seria bastante duro.
A construção do moinho de vento apresentou dificuldades imprevistas. Havia na granja uma boa
pedreira, e grande quantidade de areia e cimento for a encontrada num depósito, portanto o material para
a construção existia e estava à mão. O problema que os animais não conseguiram resolver, de inicio, foi
o de quebrar as pedras no tamanho desejado. Não parecia haver outra maneira senão com picaretas e
alavancas, coisas que nenhum animal podia usar, porque não lhes era possível ficar de pé sobre duas
patas. Somente após semanas de trabalho em vão, foi que ocorreu a alguém a idéia certa - aproveitar a
gravidade. Pelo leito da pedreira jaziam seixos enormes, demasiado grandes para serem usados como
estavam. Os bichos amarravam cordas em torno das pedras e, todos juntos, cavalos, vacas, ovelhas, todo
animal que fosse capaz de segurar os cabos - até os porcos entravam no grupo, em certos momentos
críticos -, arrastavam-nas com desesperadora lentidão até o ponto mais elevado da pedreira, de cuja borda
eram derrubadas para despedaçarem-se embaixo. O transporte das pedras, uma vez quebradas, era
relativamente simples. Os cavalos carregavam-nas em carroças, as ovelhas arrastavam blocos
individuais, até mesmo Maricota e Benjamim atrelaram-se a uma velha charrete e fizeram sua parte. No
fim do verão já haviam acumulado um bom estoque de pedras, e começou a construção sob a direção dos
porcos.
Entretanto, o processo era demorado e laborioso. Freqüentemente levavam um dia inteiro para arrastar
uma pedra das maiores até o topo da pedreira, e às vezes, atirada pela borda, não quebrava. Nada se teria
feito sem Sansão, cuja força parecia igual à de todos os outros bichos juntos. Quando a pedra começava a
deslizar e os animais gritavam de desespero, ao se verem arrastados colina abaixo era sempre Sansão que
retesava os cabos e continha a pedra. Vê-lo na faina da subida, palmo a palmo, com a respiração
acelerada, os costados molhados de suor e as pontas dos cascos cravadas no solo, era coisa que enchia a
todos de admiração. Quitéria às vezes recomendava-lhe que tivesse cuidado e não se esforçasse demais,
mas Sansão não lhe dava ouvidos. Seus dois lemas "Trabalharei mais ainda" e "Napoleão tem sempre
razão" pareciam-lhe resolver todos os problemas. Pediu a um dos galos que o acordasse três quartos de
hora mais cedo, pela manhã, ao invés de meia hora. E nos momentos de folga, coisa que nos últimos
tempos não sucedia muito amiúde, ia sozinho à pedreira, juntava um monte de pedra britada e puxava-o
até o local do moinho de vento, sem ajuda de ninguém.
Os bichos não passaram muito mal aquele inverno, malgrado a dureza do trabalho. Se não dispunham de
mais alimentos do que no tempo de Jones, também não tinham menos. A vantagem de só terem a si
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próprios para alimentar, sem os cinco esbanjadores seres humanos, era tão grande que compensava bem
algumas faltas. E, sob muitos aspectos, seus métodos eram mais eficientes e econômicos. Certas tarefas,
como, por exemplo, a limpeza de ervas daninhas, podiam ser realizadas com uma perfeição impossível
aos seres humanos. E, como nenhum animal roubava, não houve necessidade de separar as pastagens das
terras aráveis, o que evitou o grande trabalho da construção de cercas e porteiras. Não obstante, à medida
que o verão passava começou a se fazer sentir alguma escassez, imprevista. Houve falta de óleo de
parafina, de pregos, de corda, de biscoitos para os cachorros e de ferraduras para os cavalos, coisas - que
não podiam ser fabricadas na granja. Mais tarde, faltaram também sementes e adubo artificial, além de
vários tipos de ferramentas e, finalmente, a maquinaria para o moinho de vento. Como obter isso tudo,
ninguém conseguia imaginar.
Um domingo de manhã, quando os bichos se reuniram para receber as ordens, Napoleão anunciou sua
decisão de encetar uma nova política. A partir daquele dia, a Granja dos Bichos passaria a comerciar
comas da vizinhança; naturalmente, sem qualquer objetivo de lucro, mas com o fito único de obter
algumas mercadorias urgentemente necessárias. As exigências do moinho de vento deviam sobrepujar
tudo mais, disse. Em conseqüência, ele estava tratando da venda de uma grande meda de feno e de parte
da safra de trigo daquele ano; mais tarde, caso fosse necessário mais dinheiro, este teria de ser obtido
com a venda de ovos, para os quais sempre havia mercado em Willingdon. As galinhas, disse Napoleão,
deveriam agradecer a oportunidade de oferecer esse sacrifício, como contribuição especial em prol da
conservação do moinho de vento.
Os animais sentiram outra vez uma vaga inquietude. Nunca realizar quaisquer contatos com seres
humanos, nunca fazer comércio, jamais utilizar dinheiro - essas coisas não estavam entre as primeiras
resoluções passadas naquela formidável Reunião inicial, logo após a expulsão de Jones? Todos se
lembravam da aprovação dessas resoluções - ou pelo menos julgavam lembrar-se. Os quatro jovens
porcos castrados que haviam protestado quando Napoleão acabara com as Reuniões, levantaram
timidamente a voz, mas foram logo silenciados por um rosnar terrível dos cachorros. Nesse instante,
como de hábito, as ovelhas estalaram "Quatro pernas bom, duas pernas ruim!" e a momentânea
impertinência foi abafada. Finalmente, Napoleão levantou a pata ordenando silêncio e declarou que já
havia tomado todas as providências. Não haveria necessidade de qualquer animal entrar em contato com
seres humanos, coisa que seria da maior inconveniência. Ele pretendia tomar sobre seus ombros toda essa
carga. Um certo Sr. Whymper, que era procurador em Willingdon, concordara em atuar como
intermediário entre a Granja dos Bichos e o mundo exterior, e viria à granja todas as segundas-feiras pela
manhã, a fim de receber instruções. Napoleão finalizou o discurso com sua exclamação habitual de "Viva
a Granja dos Bichos!", e, após cantarem Bichos da Inglaterra, os animais foram dispensados.
Depois, Garganta percorreu a granja para tranqüilizá-los. Assegurou-lhes que tal resolução, contra o
engajamento no comércio e o uso de dinheiro, jamais fora aprovada, aliás nem sequer apresentada. Era
pura imaginação e provavelmente tinha origem em mentiras inventadas por Bo1a-de-Neve. Alguns
bichos ainda permaneciam em dúvida, porém Garganta perguntou-lhes astuciosamente: "Vocês estão
certos de que não sonharam com isso? Existe algum registro dessa resolução? Está escrita em algum
lugar?" E uma vez que, realmente, não existia escrito nada parecido com isso, os animais se convenceram
de seu engano.
Todas as segundas-feiras o Sr. Whymper visitava a granja, conforme o combinado. Era um homenzinho
finório, de suíças crescidas, procurador de pouca clientela porém suficientemente vivo para perceber,
antes de qualquer outro, que a Granja dos Bichos precisaria de um representante e que as comissões
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seriam polpudas. Os bichos olhavam suas idas e vindas com um certo receio e evitavam-no tanto quanto
possível. Apesar disso, ver Napoleão, de quatro, dando ordens a Whymper, que permanecia em pé sobre
duas patas, era uma coisa que, lhes acariciava o orgulho e parcialmente os reconciliava com a nova
situação. As relações com o gênero humano andavam bem diferentes. Os humanos não odiavam menos a
Granja dos Bichos, agora que ela prosperava; na realidade, odiavam-na mais do que nunca. Todo ser
humano tinha como questão de fé que a granja iria à bancarrota mais cedo ou mais tarde e, sobretudo,
que o moinho de vento seria um fracasso. Reuniam-se nas estalagens e provavam uns aos outros, por
meio de gráficos e diagramas, que o moinho estava fadado a desabar e, caso se mantivesse erguido,
jamais funcionaria. Não obstante, mesmo contra a vontade, haviam criado um certo respeito pela
eficiência com que os bichos conduziam os seus assuntos. Sintoma disso foi o fato de começarem a
chamar o sítio de Granja dos Bichos, abandonando a pretensão de continuarem a chamá-la Granja do
Solar. Haviam também acabado com o cartaz de Jones, que perdera toda esperança de reaver sua granja e
fora viver noutro lugar. Até agora, exceto por intermédio de Whymper, nenhum contato houvera entre a
Granja dos Bichos e o mundo exterior, mas já circulavam insistentes boatos de que Napoleão estava por
chegar a um decisivo acordo de negócios, ora com Pilkington, de Foxwood, ora com Frederick, de
Pinchfield - mas nunca, interessante, com ambos, simultaneamente.
Foi mais ou menos por essa época que os porcos, de repente, mudaram-se para a casa-grande, onde
fixaram residência. Novamente os bichos julgaram lembrar-se de que havia uma resolução contra isso,
aprovada nos primeiros dias, e novamente Garganta conseguiu convencê-los do contrário. Era
absolutamente necessário que os porcos, disse ele, sendo os cérebros da granja, tivessem um lugar calmo
onde trabalhar. Além disso, viver numa casa era mais adequado à dignidade do Líder (nos últimos
tempos dera para referir-se a Napoleão pelo título de "Líder") do que viver numa simples pocilga.
Mesmo assim, alguns animais se aborreceram ao ouvir dizer que os porcos não só faziam as refeições na
cozinha e utilizavam a sala como local de recreação, mas ainda dormiam nas camas. Sansão resolveu o
assunto com seu "Napoleão tem sempre razão", porém Quitéria, que tinha a impressão de lembrar-se de
uma lei específica contra camas, foi até o fundo do celeiro e tentou decifrar os Sete Mandamentos que lá
estavam escritos. Sentindo-se incapaz de ler mais do que algumas letras separadamente, foi chamar
Maricota.
- Maricota - pediu ela - leia para mim por favor, o Quarto Mandamento. Não diz qualquer coisa a
respeito de nunca dormir em camas?
Com alguma dificuldade, Maricota soletrou o mandamento:
- Diz que "Nenhum animal dormirá em cama com lençóis".
Interessante, Quitéria não se recordava dessa menção a lençóis, no Quarto Mandamento. Mas, se estava
escrito na parede, devia haver. E Garganta que por acaso passava nesse momento, acompanhado de dois
cachorros, colocou todo o assunto na perspectiva adequada.
- Com que então vocês, camaradas, ouviram dizer que nós, os porcos, agora dormimos nas camas da
casa? E por que não? Vocês não supunham, por certo, que houvesse uma lei contra camas, não é? A
cama é meramente o lugar onde se dorme. Vendo bem, um monte de palha no estábulo é uma cama. A lei
era contra os lençóis, que são uma invenção humana. Nós retiramos os lençóis das camas da casa e
dormimos entre cobertores. Confortáveis, lá isso são! Porém não mais do que necessitamos, posso
afirmar-lhes, camaradas, com todo o trabalho intelectual que atualmente recai sobre nós. Vocês não
seriam capazes de negar-nos o repouso, camaradas, seriam? Vocês não desejariam ver-nos tão cansados
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que não pudéssemos cumprir nossa missão, não? Será que alguém quer Jones de volta?
Os animais tranqüilizaram-no a esse respeito e não se falou mais no fato de os porcos dormirem nas
camas da casa. E quando se anunciou, alguns dias depois, que os porcos passariam a levantar-se, de
manhã, uma hora mais tarde do que os outros bichos, ninguém se queixou disso também.
Ao chegar o outono, os animais andavam cansados, mas felizes. Haviam tido um ano difícil, e após a
venda de uma parte da safra de feno e de trigo, os estoques para o inverno não eram lá muito abundantes,
mas o moinho de vento compensava tudo. Já estava quase pela metade. Após a colheita houve um
período de tempo bom e os bichos trabalharam mais do que nunca, satisfeitos com a tarefa de andarem
para lá e para cá puxando blocos de pedras, desde que com isso conseguissem fazer a parede subir mais
alguns centímetros. Sansão chegava a trabalhar de noite, uma hora ou duas, por sua conta, à luz da lua.
Nas horas de folga os animais passeavam em volta do moinho inacabado; admirando a solidez e a
verticalidade de suas paredes, maravilhados com o fato de terem sido capazes de construir algo tão
imponente. Somente o velho Benjamim se recusava a entusiasmar-se com o moinho de vento, embora,
como sempre, não fizesse outro comentário além do enigma de que os burros vivem muito tempo.
Novembro chegou, com fortes ventos de sudoeste. Foi preciso interromper a construção, pois o tempo
estava úmido demais para a mistura de cimento. Finalmente, houve uma noite em que a tormenta foi tão
forte que os galpões da granja tremeram na base e várias telhas do celeiro foram arrancadas. As galinhas
acordaram cacarejando aterrorizadas, pois haviam sonhado, todas ao mesmo tempo, com o barulho de
um tiro a distância. Pela manhã, ao saírem os animais de suas baias, deram com o mastro caído no chão e
viram o olmeiro do pomar desgalhado como se fosse um rabanete. Mal haviam notado isso quando
soltaram um grito lancinante de desespero. Visão terrível se apresentava aos seus olhos: o moinho de
vento estava em ruínas.
Correram todos para o local. Napoleão, que raras vezes abandonava seu passo normal à frente de todos,
correu também. Sim, ali estava o moinho, o fruto de todas as suas lutas, rebaixado ao nível dos alicerces;
e as pedras, que tão laboriosamente haviam levantado, espalhadas pelas redondezas. Impossível falar, de
início; ali ficaram olhando tristemente à desordem das pedras caídas. Napoleão andava 1entamente de
um lado para outro, em silêncio, ocasionalmente farejando o chão, aqui e ali. Seu rabicho se esticava e se
sacudia energicamente, para lá e para cá, num sinal de febril atividade mental. De repente estacou, como
se tivesse chegado a uma conclusão.
- Camaradas - disse lentamente -, quem é o responsável por isto? Sabem quem foi o inimigo que, na
calada da noite, destruiu nosso moinho de vento? BOLA-DE-NEVE! - rugiu violentamente com voz de
trovão. - Bola-de-Neve foi o autor disto! Com rematada maldade, pensando em destruir nossos planos e
vingar-se de sua ignominiosa expulsão, esse traidor penetrou até aqui, sob o manto da escuridão, e
destruiu nosso labor de quase um ano. Camaradas, neste local e neste momento, pronuncio a sentença de
morte para Bola-de-Neve. Uma "Herói Animal, Segunda Classe" e meio balde de maçãs ao animal que
lhe fizer justiça. Um balde inteiro a quem o capturar vivo!
Os animais ficaram chocadíssimos ao saberem que mesmo Bola-de-Neve fosse capaz de uma coisa
daquela. Subiu ao céu um brado de indignação e cada um pôs-se a pensar num modo de apanhar
Bola-de-Neve, se algum dia ousasse voltar. Quase ao mesmo tempo, descobriram-se as pegadas de um
porco a pequena distância da colina. Embora marcassem apenas alguns metros, pareciam dirigir-se a um
buraco da sebe. Napoleão cheirou-as profundamente e declarou serem de Bola-de-Neve. Na sua opinião,
Bola-de-Neve provavelmente viera da Granja de Foxwood. - Não percamos tempo, camaradas! - bradou
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Napoleão, depois de examinar detidamente as pegadas. - Temos muito trabalho pela frente. Hoje mesmo,
de manhã, recomeçamos a construção do moinho de vento e trabalharemos por todo o inverno, com sol
ou com chuva. Mostraremos a esse traidor miserável que ele não pode desfazer nosso traba1ho assim tão
facilmente. Lembrem-se, camaradas, não deve haver modificações em nossos planos: serão cumpridas à
risca. Para a frente, camaradas! Viva o moinho de vento! Viva a Granja dos Bichos!
CAPÍTULO VII
Aquele inverno foi horrível. Às tempestades seguiram-se o granizo e as nevadas, depois o gelo, que
somente se desfez em meados de fevereiro. Os bichos fizeram todo o possível na reconstrução do moinho
de vento, conscientes de que o mundo tinha os olhos sobre eles e de que os invejosos seres humanos
vibrariam de contentamento se o moinho não fosse concluído a tempo.
Apesar de tudo, os humanos recusaram-se a crer que Bola-de-Neve tivesse destruído o moinho de vento:
afirmavam que as paredes caíram porque eram finas demais. Os animais sabiam não ser essa a causa.
Mesmo assim, deliberaram desta vez construir as paredes com noventa centímetros de largura, ao invés
de quarenta e cinco, como inicialmente, o que exigia muito mais pedra. Durante longo tempo a pedreira
esteve coberta de neve e foi impossível fazer qualquer coisa. Algum progresso se conseguiu depois, no
tempo gelado e seco que se seguiu, mas foi um trabalho cruel, e os animais já não o realizavam com a
mesma esperança de antes. Andavam sempre com frio e, normalmente, com fome. Somente Sansão e
Quitéria nunca desanimavam. Garganta fazia excelentes discursos sobre a alegria e a dignidade do
trabalho, mas os animais encontravam maior inspiração na força de Sansão e no seu indefectível brado
"Trabalharei mais ainda!"
Em janeiro, a comida diminuiu. A ração de milho foi drasticamente reduzida e anunciou-se que uma
ração extra de batata seria entregue em seu lugar. Descobriu-se então que a maior parte da colheita de
batatas estava congelada nas pilhas, não suficientemente protegidas. Moles e descoradas, poucas
continuavam comíveis. Durante dias seguidos, os bichos não tiveram senão palha e beterraba pare comer.
O espectro da fome surgia à sua frente.
Era imprescindível ocultar esse fato ao restante do mundo. Encorajados pelo colapso do moinho de
vento, os humanos andavam renovando mentiras sobre a Granja dos Bichos. Mais uma vez se dizia que
os bichos morriam de fome e doenças, que brigavam continuamente entre si e que haviam descambado
para o canibalismo e o infanticídio. Napoleão bem sabia dos maus resultados que poderiam advir, caso a
verdadeira situação alimentar da granja fosse conhecida, e resolveu utilizar o Sr. Whymper para divulgar
uma impressão contrária. Até então, os animais tinham tido muito pouco ou nenhum contato com
Whymper, em suas visitas semanais: agora, entretanto, alguns bichos selecionados, principalmente
ovelhas, foram instruídos para comentarem, casualmente, mas de forma bem audível, o fato de terem
sido aumentadas as rações. Em complemento, Napoleão deu ordens para que as tulhas do depósito, que
estavam quase vazias, fossem recheadas de areia quase até a boca, depois completadas com cereais e
farinha. A um pretexto qualquer Whymper foi conduzido através do depósito e pôde dar uma olhadela
nas tulhas. Foi enganado e continuou a dizer lá fora que, absolutamente, não havia falta de alimento na
Granja dos Bichos.
Não obstante, no fim de janeiro, tornou-se positiva a necessidade de conseguir-se mais cereais em algum
lugar. Naqueles dias Napoleão raramente apareceu em público, passando o tempo todo no casarão,
guardado por um cão mal-encarado em cada porta. Quando surgiu outra vez, foi de maneira cerimoniosa,
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com uma escolta de seis cachorros que o cercavam de perto e rosnavam caso alguém se achegasse
demais. Freqüentemente não aparecia, nem sequer aos domingos de manhã, enviando suas ordens por
intermédio de outro porco, de preferência Garganta.
Certa manhã de domingo, Garganta anunciou que as galinhas, que recentemente haviam começado a pôr,
deveriam entregar-lhe seus ovos, pois Napoleão assinara, por intermédio de Whymper, um contrato de
fornecimento de quatrocentos ovos por semana. O preço destes pagaria, em cereais e farinha, o bastante
para manter a granja até que chegasse o verão e as condições do tempo melhorassem.
Ao ouvirem isso, as galinhas responderam com um terrível cacarejo. Já haviam sido alertadas sobre essa
possibilidade, mas não pensavam que viesse a tornar-se realidade. Como havia pouco - preparavam suas
ninhadas de ovos para a chocagem da primavera, protestaram dizendo que tomar-lhes os ovos, agora, era
um crime. Pela primeira vez, desde a expulsão de Jones, aconteceu algo parecido com uma rebelião.
Lideradas por três jovens frangas Minorca, as galinhas realizaram uma ação visando a contrariar os
desejos de Napoleão. O método usado foi voar para os caibros do telhado é dali por os ovos, que vinham
despedaçar-se no chão. Napoleão agiu rápida e implacavelmente. Cortou a ração das galinhas e decretou
que o bicho que fosse apanhado dando a elas um grão sequer de alimento seria condenado à morte. Os
cachorros fiscalizavam a execução da ordem. As galinhas resistiram por cinco dias, depois capitu1aram e
voltaram para os ninhos. Nove haviam morrido. Seus corpos foram enterrados no pomar e, segundo se
disse, a causa da morte fora coccidiose. Whynper nada ouviu sobre esse caso, e os ovos foram entregues
pontualmente, vindo um caminhão semanalmente buscá-los.
Entrementes, não se falava mais em Bola-de-Neve. Havia rumores de que estaria homiziado em uma das
granjas vizinhas, Foxwood ou Pinchfield. Nessa época, Napoleão andava em termos ligeiramente
melhores com os outros granjeiros É que havia no pátio várias pilhas de madeira, feitas dez anos antes,
por ocasião da derrubada de um bosque de faias Como a madeira já estava bem seca, Whymper
aconselhara Napoleão a vendê-la, e tanto Pilkington como Frederick desejavam comprá-la Napoleão
hesitava entre os dois, sem decidir-se Notou-se que toda vez que parecia ter chegado a um acordo com
Frederick, surgia o boato de que Bola-de-Neve estava escondido em Foxwood, ao passo que, quando se
inclinava para Pilkington, Bola-de-Neve deveria andar em Pinchfield.
Subitamente, no início da primavera, descobriu-se um fato alarmante. Bola-de-Neve estava freqüentando
a granja à noite, secretamente! Os bichos ficaram tão preocupados que mal podiam dormir em seus
estábulos. Todas as noites, dizia-se, ele se esgueirava nas sombras e perpetrava um sem número de
maldades Roubava milho, entornava baldes de leite, quebrava ovos, esmagava os viveiros de sementes e
roía o córtex das árvores frutíferas. Sempre que algo errado aparecia, o culpado era Bola-de-Neve. Uma
janela quebrada, um dreno entupido, e alguém com certeza diria que Bola-de-Neve viera à noite e fizera
aquilo; quando se perdeu a chave do depósito, toda a granja se convenceu de que Bola-de-Neve a jogara
no fundo do poço. Interessante foi continuarem a acreditar, mesmo depois que a chave perdida foi
encontrada sob um saco de farinha. As vacas declararam unanimemente que Bola-de-Neve entrara em
suas baias e as havia ordenhado durante o sono. Os ratos, por incomodarem muito durante o inverno,
foram taxados de aliados de Bola-de-Neve.
Napoleão decretou uma ampla investigação sobre as atividades de Bola-de-Neve. Com seus cachorros
em posição de alerta, saiu e fez uma cuidadosa inspeção nos galpões da fazenda, com os outros animais a
segui-lo a uma distância respeitosa. A pequenos intervalos, Napoleão parava e farejava o chão em busca
de sinais de Bola-de-Neve que, segundo disse, podia perceber pelo faro. Cheirou cada canto, no celeiro,
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no estábulo, nos galinheiros, na horta, encontrando vestígios de Bola-de-Neve em quase toda parte.
Invariavelmente encostava o focinho no chão, puxava algumas cheiradas profundas e exclamava numa
voz terrível: "Bola-de-Neve! Andou por aqui! Sinto perfeitamente o cheiro!" E, à palavra
"Bola-de-Neve", a cachorrada soltava grunhidos sanguinários, pondo os dentes à mostra.
Os animais andavam aterrorizados. Parecia-lhes que Bola-de-Neve era uma espécie de entidade invisível,
impregnando o ar à sua volta e ameaçando-os com todas as espécies de perigos. Certa tarde, Garganta
reuniu-os e, com uma expressão alarmada, disse-lhes ter várias notícias para dar.
- Camaradas - gritou, fazendo trejeitos nervosos -, descobrimos uma coisa pavorosa. Bola-de-Neve
vendeu-se a Frederick, da Granja Pinchfield, que neste mesmo instante está planejando atacar-nos e
tomar nossa granja! Bola-de-Neve será o guia, quando o ataque começar. Mas ainda há pior. Nós
pensávamos que a rebelião de Bola-de-Neve for a causada por sua vaidade e ambição. Pois estávamos
enganados, camaradas. Sabeis qual foi a verdadeira razão? Bola-de-Neve era aliado de Jones desde o
início! Foi, o tempo todo, agente de Jones. Tudo isso está comprovado em documentos que deixou e que
só agora descobrimos. Para mim isso explica muita coisa, camaradas. Pois não vimos, com os nossos
próprios olhos, a maneira como ele tentou - felizmente sem conseguir - fazer que fôssemos derrotados e
destruídos na Batalha do Estábulo?
Os bichos ouviam estupefatos. Isto era um crime muitíssimo maior do que ter destruído o moinho de
vento. Mas alguns minutos se passaram até eles compreenderem a completa significação de tudo aquilo.
Todos se lembravam, ou julgavam lembrar-se, de terem visto Bola-de-Neve carregando à frente, na
Batalha do Estábulo, de como ele os encorajava e incitava a cada instante, não titubeando um só segundo
quando as balas de Jones rasgaram-lhe o dorso. Inicialmente foi difícil entender de que maneira isso
combinava com estar do lado de Jones. Até Sansão, que raras vezes fazia perguntas, ficou confuso.
Deitou-se, enfiou as patas dianteiras debaixo do corpanzil, fechou os olhos e, com grande esforço, tentou
reunir os pensamentos.
- Não acredito - disse. - Bola-de-Neve lutou bravamente na Batalha do Estábulo. Isso eu vi com meus
próprios olhos. Pois nós até não lhe demos uma "Herói Animal, Primeira Classe", logo depois? -
- Esse foi o nosso erro, camaradas. Pois agora sabemos, e está tudo escrito nos documentos encontrados
que, na realidade, ele tentava conduzir-nos à desgraça.
- Mas ele foi ferido - insistiu Sansão. - Todos o vimos ensangüentado.
- Isso era parte do trato - gritou Garganta.- O tiro de Jones pegou apenas de raspão. Eu poderia mostrar
isso a vocês, escrito com a letra dele mesmo, se vocês soubessem ler. A combinação era Bola-de-Neve
dar o sinal de retirada no momento crítico e abandonar o terreno ao inimigo. E ele quase conseguiu isso,
posso dizer até que teria conseguido, se não fosse o nosso heróico Líder, o Camarada Napoleão.
Lembram-se de que, bem no momento em que Jones e seus homens atingiram o pátio, Bola-de-Neve, de
repente, virou-se e fugiu, seguido de muitos animais? E não foi nesse exato momento, quando já nos
dominava o pânico e tudo parecia perdido, que o Camarada Napoleão surgiu proferindo o brado de
"Morte à Humanidade!" e fincou os dentes na perna de Jones? Por certo vocês se lembram disso, não é,
camaradas? - exclamou Garganta, dando pulinhos de um lado para outro.
Bem, agora que Garganta descrevera a cena tão vividamente, parecia aos animais que de fato se
lembravam. Pelo menos lembravam-se de, no momento crítico da Batalha, Bola-de-Neve voltar-se para
fugir. Sansão, porém, ainda permanecia um tanto contrafeito.
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- Não acredito que Bola-de-Neve fosse um traidor desde o começo - disse por fim. - O que fez depois, é
outra coisa. Eu ainda acho que na Batalha do Estábulo ele foi um bom camarada.
- Nosso Líder, o Camarada Napoleão - disse - Garganta, falando devagar e com firmeza -, declarou
categoricamente, categoricamente, camaradas!, que Bola-de-Neve era agente de Jones desde o
início...sim, desde o instante mesmo em que imaginamos a Revolução. - Ah, isso é diferente! - respondeu
Sansão - Se o Camarada Napoleão diz, deve ter razão.
- Hum, esse é o verdadeiro espírito, camarada! - exclamou Garganta. Porém, todos notaram a olhadela
feia que deu para Sansão, com seus olhos matreiros.
Depois virou-se para ir embora, mas se deteve e acrescentou de maneira impressionante:
- Alerto a todos os animais desta fazenda para que mantenham os olhos bem abertos. Temos motivos
para pensar que alguns dos agentes secretos de Bola-de-Neve estão ocultos entre nós neste momento!
Quatro dias depois, à tardinha, Napoleão mandou que os bichos se reunissem no pátio. Quando todos
haviam comparecido, Napoleão emergiu do Casarão, ostentando ambas as suas medalhas (pois
recentemente conferira a si próprio a "Herói Animal, ~- Primeira Classe" e a "Herói Animal, Segunda
Classe"), com seus nove cachorros fazendo demonstrações à sua, volta e soltando rosnados que
causavam calafrios nas espinhas dos animais. Estes se encolheram silenciosos em seus lugares,
parecendo pressentir que algo horrível estava por acontecer.
Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à assistência; depois deu um guincho estridente.
Imediatamente os cachorros avançaram, pegando quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a guinchar,
de dor e terror, até os pés de Napoleão. As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do sangue pareceu
enlouquecer os cachorros. Para surpresa de todos, três deles lançaram-se sobre Sansão. Este reagiu com
um pataço que pegou um dos cachorros ainda no ar, jogando-o ao solo. O cachorro ganiu pedindo
compaixão, e os outros dois fugiram, com o rabo entre as pernas. Sansão olhou para Napoleão para saber
se devia liquidar o cachorro ou deixá-lo ir. Napoleão pareceu mudar de idéia e rispidamente ordenou a
Sansão que o soltasse, e ele ergueu a pata, deixando ir o cachorro ferido, uivando.
O tumulto amainou. Os quatro porcos esperavam trêmulos, com a culpa desenhada em cada linha do
semblante. Então Napoleão concitou-os a confessar seus crimes. Eram os mesmos que haviam protestado
quando Napoleão abolira as Reuniões dominicais. Sem mais demora, confessaram ter realizado contatos
secretos com Bola-de-Neve desde o dia de sua expulsão e haver colaborado com ele na destruição do
moinho de vento; confessaram ainda que também haviam-se comprometido com ele a entregar a Granja
dos Bichos a Frederick. Acrescentaram que Bola-de-Neve havia admitido, na presença deles, ter sido
durante muitos anos agente secreto de Jones. Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a
garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar.
As três galinhas que haviam liderado a tentativa de reação a respeito dos ovos aproximaram-se e
declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em sonho, instigando-as a desobedecerem as ordens de
Napoleão. Também foram degoladas. Aí veio um ganso e confessou ter escondido seis espigas de milho
durante a colheita do ano anterior, comendo-as depois, à noite. Uma ovelha confessou ter urinado no
açude por insistência, disse, de Bola-de-Neve - e duas outras ovelhas confessaram ter assassinado um
velho bode, seguidor especialmente devotado de Napoleão, fazendo-o correr em volta de uma fogueira
quando ele, coitado, estava com um ataque de asma. Foram mortas ali mesmo. E assim prosseguiu a
sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um
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pesado cheiro da sangue, coisa que não sucedia desde a expulsão de Jones.
Quando tudo acabou, os bichos sobreviventes, com exceção dos porcos e dos cachorros, retiraram-se
furtivamente, trêmulos e angustiados. Não sabiam o que era mais chocante, se a traição dos animais que
se haviam acumpliciado com Bola-de-Neve, ou se a cruel repressão recém-presenciada. Nos velhos
tempos eram freqüentes as cenas sangrentas, igualmente horripilantes, entretanto agora lhes pareciam
ainda piores, uma vez que ocorriam entre eles mesmos. Desde o dia em que Jones deixara a fazenda, até
aquele dia, nenhum animal matara outro animal. Nem sequer um rato fora morto. Haviam percorrido o
caminho até a colina do moinho inacabado e de comum acordo deitaram-se, procurando aquecer uns aos
outros - Quitéria, Maricota, Benjamim, as vacas, as ovelhas e todo o bando de gansos e galinhas, todos
eles, afinal, exceto o gato, que desaparecera de repente, ao chegar a ordem de Napoleão para a reunião.
Durante algum tempo ninguém falou. Somente Sansão permanecia de pé. Andava, impaciente, de um
lado para o outro, batendo com a longa cauda negra aos flancos e proferindo, de vez em quando, um
gemido de estupefação. Finalmente disse:
- Não entendo. Nunca pensei que coisas assim pudessem acontecer em nossa granja. Deve ser o resultado
de alguma falha nossa. A solução que vejo é trabalhar mais ainda. Daqui por diante, vou levantar uma
hora mais cedo.
E saiu no seu trote pesadão, rumo à pedreira. Lá chegando, juntou dois grandes montes de pedras e
arrastou-os até o moinho de vento, antes de recolher-se para dormir.
Os bichos se amontoaram em volta de Quitéria, em silêncio. O outeiro onde estavam dava-lhes uma
ampla vista da região. A maior parte da Granja dos Bichos abria-se ante eles - a grande pastagem que se
estendia até a estrada, o campo de feno, o bosque, o açude, os campos arados onde estava o trigo novo,
ainda fino e verde, e os telhados vermelhos do casario da granja, onde a fumaça saía das chaminés. Era,
uma tarde clara de primavera. A grama e a sebe em brotação douravam-se aos raios horizontais do sol.
Jamais a granja lhes parecera - e com uma espécie de surpresa lembraram-se de que tudo era deles, cada
centímetro era de sua propriedade - um lugar tão agradável. Olhando pela encosta da colina, Quitéria
ficou com os olhos cheios de água. Se pudesse exprimir seus pensamentos, diria que aquilo não era bem
o que pretendiam ao se lançarem, anos atrás, ao trabalho de derrubar o gênero humano. Aquelas cenas de
terror e sangue não eram as que previra naquela noite em que o velho Major, pela primeira vez, os
instigara à rebelião. Se ela própria pudesse imaginar o futuro, veria uma sociedade de animais livres da
fome e do chicote, todos iguais, cada qual trabalhando de acordo com sua capacidade, os mais fortes
protegendo os mais fracos, como ela protegera aquela ninhada de patinhos na noite do discurso do Major.
Em vez disso - não podia compreender por que - haviam chegado a uma época em que ninguém ousava
dizer o que pensava, em que os cachorros rosnantes e malignos perambulavam por toda parte e a gente
era obrigada a ver camaradas feitos em pedaços após confessarem os crimes mais horríveis. Não tinha
em mente idéias de rebelião ou desobediência. Sabia que, por piores que fossem, as coisas estavam muito
melhores do que nos tempos de Jones e que antes de mais nada era preciso evitar o retorno dos seres
humanos. Acontecesse o que acontecesse, ela permaneceria fiel, trabalharia bastante, cumpriria as ordens
recebidas e aceitaria a liderança de Napoleão. Mesmo assim, não fora por aquilo que ela e todos os
animais haviam esperado e trabalhado. Não fora para aquilo que haviam construído o moinho de vento e
enfrentado as balas da espingarda de Jones. Tais eram seus pensamentos, embora ela não tivesse palavras
para expressá-los.
Por fim, sentindo que assim substituiria as palavras que não conseguia encontrar, começou a cantar
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Bichos da Inglaterra. Os outros animais, sentados à sua volta, foram aderindo e cantaram a canção três
vezes - bem na melodia, mas lenta e tristemente como nunca haviam cantado antes.
Mal haviam terminado de cantar a terceira vez, apareceu Garganta, seguido de dois cachorros, com ar de
quem tem coisa muito importante a dizer. Anunciou que, por decreto especial do Camarada Napoleão, a
canção Bichos da Inglaterra fora abolida. Daquele momento em diante, era proibido cantá-la.
Os animais foram colhidos de surpresa.
- Por quê? - exclamou Maricota.
- Não há necessidade, camaradas - respondeu Garganta inflexivelmente. - Bichos da Inglaterra era a
canção da Revolução. Mas a Revolução agora está concluída. A execução dos traidores, hoje à tarde, foi
o ato final. Em Bichos da Inglaterra expressávamos nosso anseio por uma sociedade melhor, no porvir.
Ora, essa sociedade já foi instituída. Evidentemente, o hino não tem mais valor algum.
Mesmo amedrontados como estavam, alguns animais poderiam ter protestado, se nesse momento as
ovelhas não enveredassem pelo "Quatro pernas bom, duas pernas ruim", que durou vários minutos,
pondo fim à discussão.
E, assim, não mais se ouviu Bichos da Inglaterra. Em seu lugar, Mínimo, o poeta, compusera outra
canção que começava dizendo: Granja dos Bichos, Granja dos Bichos,
Jamais te farão mal!
e isto passou a ser cantado todos os domingos após o hasteamento da bandeira. Mas, de certa maneira,
nem a letra nem a música jamais pareceram, aos animais, como as de Bichos da Inglaterra.
CAPÍTULO VIII
Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais
lembraram-se - ou julgaram lembrar-se - de que o Sexto Mandamento rezava: "Nenhum animal matará
outro animal." Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros,
parecia-lhes que a matança ocorrida não se ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a Benjamim que
lesse o Sexto Mandamento e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a envolver-se
em tais assuntos, procurou Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: "Nenhum animal
matará outro animal, sem motivo." De uma ou outra maneira, as duas últimas palavras haviam escapado
à memória dos bichos. Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não fora violado; sim, pois,
evidentemente, havia boas razões para matar os traidores que se haviam aliado a Bola-de-Neve.
Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho de
vento, as paredes com o dobro de espessura, sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o trabalho
normal da granja, era tudo tremendamente laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu que estavam
trabalhando mais do que no tempo de Jones, sem se alimentarem melhor. Nos domingos de manhã,
Garganta, segurando uma comprida folha de papel, lia, para eles relações de estatísticas comprobatórias
de que a produção de todas as classes de gêneros alimentícios aumentara de duzentos, trezentos ou
quinhentos por cento, conforme o caso. Os bichos não viam razão para desacreditá-lo, especialmente
porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Revolução. Mesmo
assim, dias havia em que prefeririam ter menos estatísticas e mais comida.
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Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era
visto em público mais do que uma vez cada quinze dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só
pela sua matilha de cães, mas também por um garnisé preto que marchava à sua frente, atuando como
arauto, soltando um cocoricó antes de cada fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam, ele
habitava um apartamento separado dos demais. Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para
servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a
espingarda seria disparada anualmente na data do aniversário de Napoleão, assim como nos outros dois
aniversários. - • -
Agora já não mencionavam Napoleão como "Napoleão" simplesmente. Referiam-se a ele de maneira
formal, como "nosso Líder, o Camarada Napoleão", e os porcos gostavam de inventar para ele títulos tais
como Pai de Todos os Bichos, Terror da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos Pintainhos e
assim por diante. Garganta, em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava na sabedoria
de Napoleão, na bondade de seu coração, no profundo amor que devotava aos animais de todos os
lugares, mesmo - e especialmente - aos infelizes animais que ainda viviam na ignorância e na escravidão,
em outras granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o crédito de todos os êxitos e de todos os golpes
de sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha comentar para outra: "Sob a orientação de nosso Líder,
o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis dias"; ou duas vacas, bebendo juntas no açude,
exclamarem: "Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água!" O sentimento
geral da granja era bem expresso num poema intitulado "O Camarada Napoleão", composto por Mínimo,
que era assim:
Amigo dos órfãos!
Fonte da Felicidade! Senhor do balde de lavagem! Oh, minh'alma arde
Em fogo quando eu te vejo
Assim, calmo e soberano,
Como o sol na imensidão,
Camarada Napoleão!
Tu és aquele que tudo dá, tudo
Quanto as pobres criaturas amam.
Barriga cheia duas vezes por dia, palha limpa onde rolar;
Todos os bichos, grandes, pequenos,
Dormem tranqüilos, enquanto
Tu zelas por nós na solidão,
Camarada Napoleão!
Tivesse eu um leitão e
Antes mesmo que atingisse
O tamanho de um garrafão ou de um barril
Já teria aprendido a ser, eternamente,
Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro
Guincho que daria meu leitão. seria:
"Camarada Napoleão!"
Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo no grande celeiro, na parede oposta àquela onde
estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por
Garganta.
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Enquanto isso, por intermédio de Whymper, Napoleão envolvera-se em negociações complicadíssimas
com Frederick e Pilkington. As pilhas de madeira ainda não estavam vendidas. Dentre os dois, Frederick
era o mais ansioso por colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço razoável. Ao mesmo tempo
circulavam renovados boatos de que Frederick e seus homens estavam planejando atacar a Granja dos
Bichos e destruir o moinho de vento, cuja construção lhe causara enorme ciúme. Sabia-se que
Bola-de-Neve ainda estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao verão correu entre os animais a
notícia alarmante de que três galinhas se haviam apresentado confessando que, instigadas por
Bola-de-Neve, haviam conspirado para assassinar Napoleão. Foram executadas imediatamente e se
tomaram novas medidas para a segurança de Napoleão. Quatro cachorros passaram a montar guarda
junto à sua cama, durante a noite, um em cada canto, e um jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa
de provar a comida, para evitar que ele fosse envenenado.
Mais ou menos por essa época, foi anunciado que Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao Sr.
Pilkington; ia assinar também um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Granja dos
Bichos e Foxwood. As relações entre Napoleão e Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio de
Whymper, eram agora quase amistosas. Os bichos não confiavam em Pilkington, ser humano que era,
mas preferiam-no a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam. Com o passar do verão e estando o
moinho de vento perto da conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro ataque tornavam-se cada vez
mais fortes. Frederick, dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens armados de espingardas e já
subornara os magistrados e a polícia, de forma que, se conseguissem colocar as mãos nas escrituras de
propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse problema algum. Além disso, filtravam-se de Pinchfield
terríveis histórias a respeito das barbaridades a que Frederick submetia seus animais. Havia chicoteado
um cavalo velho até liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara um cachorro jogando-o numa
fornalha, divertia-se de noite assistindo a brigas de galos, em cujas esporas colocava pedaços de lâminas
de barbear. O sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam contar o que se fazia contra seus
camaradas e, às vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair para atacar Pinchfield, expulsar os
humanos e libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os a evitar essas atitudes violentas e a
confiar na estratégia do Camarada Napoleão. -
Não obstante, crescia o sentimento de ódio com relação a Frederick. Certo domingo de manhã, Napoleão
apareceu no celeiro e declarou que jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas de madeira a
Frederick; considerava abaixo de sua dignidade, disse, fazer negócios com patifes daquela espécie. Os
pombos, que continuavam a espalhar as mensagens da Revolução, foram proibidos de pôr os pés em
qualquer ponto de Foxwood e receberam ordem de modificar seu slogan de "Morte à Humanidade" para
"Morte a Frederick". Entrementes, no fim do verão, foi revelada outra das maquinações de
Bola-de-Neve. A lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se que Bola-de-Neve havia misturado
sementes de joio às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito confessou sua culpa a Garganta e
suicidou-se comendo frutinhas de erva-moura. Os animais ficaram sabendo também que Bola-de-Neve
jamais havia recebido, como pensavam muitos até então, a comenda de "Herói Animal, Primeira Classe".
Era apenas uma lenda, criada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve.
Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele for a repreendido por demonstrar covardia durante a
batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso com perplexidade, mas Garganta conseguiu
convencê-los de que fora um lapso de suas memórias. . .
No outono, após um tremendo e exaustivo esforço, pois a colheita se fizera ao mesmo tempo, o moinho
de vento estava concluído. Restava ainda instalar a maquinaria e Whymper andava tratando das compras,
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mas a estrutura já estava pronta. Contra todas as dificuldades, a despeito da inexperiência, dos
implementos primitivos, da falta de sorte e da perfídia de Bola-de-Neve, a obra estava concluída no exato
dia marcado! Cansados, mas orgulhosos, os bichos deram voltas e mais voltas em torno de sua
obra-prima, que lhes parecia ainda mais linda do que da primeira vez. Além-disso, as paredes tinham
agora o dobro da espessura. Exceto explosivos, nada poderia colocá-las abaixo. E ao pensarem nas
modificações que suas vidas sofreriam quando as pás estivessem girando e os dínamos em ação - ao
pensarem em tudo isso, o cansaço os abandonava e eles saltavam ao redor do moinho de vento, dando
gritos de alegria. Napoleão em pessoa, acompanhado dos seus cachorros e do seu garnisé, veio
inspecionar o trabalho concluído; congratulou-se com os animais pelo feito e anunciou que o moinho se
chamaria "Moinho Napoleão".
Dois dias mais tarde, os animais foram convidados para uma reunião especial no celeiro. E ficaram
abobados de surpresa quando Napoleão comunicou ter vendido a madeira a Frederick. No dia seguinte,
os caminhões de Frederick chegariam para o carregamento. Durante todo o período de aparente amizade
com Pilkington, Napoleão na realidade negociara um acordo secreto com Frederick.
Todas as relações com Foxwood foram cortadas e enviadas a Pilkington mensagens insultuosas. Os
pombos receberam ordem de não pousar mais na Granja Pinchfield e mudar o slogan de "Morte a
Frederick" para "Morte a Pilkington". Ao mesmo tempo Napoleão assegurou a todos que as histórias
sobre o iminente ataque à Granja dos Bichos eram inteiramente falsas e que os boatos a respeito da
crueldade de Frederick para com os animais eram muito exagerados. Todos esses boatos eram,
provavelmente, coisa de Bola-de-Neve e seus agentes. Parecia, agora, que Bola-de-Neve, na realidade,
não estava escondido na Granja Pinchfield; aliás nunca estivera lá, em toda sua vida, vivia (e cercado de
muito luxo, sabiam agora) em Foxwood, sendo, além do mais, pensionista de Pilkington há muitos anos.
Os porcos estavam quase em êxtase com a esperteza de Napoleão. Fingindo ser amigo de Pilkington,
obrigara Frederick a aumentar seu preço em doze libras. Porém, a qualidade superior da mente de
Napoleão, dizia Garganta, estava no fato de não confiar em ninguém, nem mesmo em Frederick. Este
quisera pagar a madeira com uma coisa chamada cheque, que era, ao que diziam, um pedaço de papel
com uma promessa de pagamento escrita. Mas Napoleão era vivo demais para isso. Exigiu o pagamento
em notas autênticas de cinco libras, que deveriam ser entregues antes da retirada da madeira. Frederick já
pagara; e a soma era suficiente para comprar a maquinaria do moinho de vento.
A madeira já fora retirada com grande rapidez. Quando todo carregamento estava bem longe, houve
outra reunião especial no celeiro, para os bichos examinarem as notas de Frederick. Sorrindo
beatificamente e usando suas condecorações, Napoleão recos tara-se numa cama de palha, com o
dinheiro a seu lado, cuidadosamente empilhado numa travessa da cozinha da casa-grande. Os animais
passavam lentamente em fila e cada um olhava o tempo que quisesse. Sansão espichou o focinho para
cheirar as notas e as delicadas coisinhas agitaram-se e farfalharam com sua respiração.
Três dias mais tarde, houve um deus-nos-acuda. Whymper, branco como cera, chegou afobado com sua
bicicleta, deixou-a caída no pátio e correu para dentro da casa. Daí a momentos ouviu-se um pavoroso
rugido de raiva vindo do apartamento de Napoleão. A notícia do que sucedera espalhou-se pela granja
com a rapidez de um raio. As notas eram falsas! Frederick levara a madeira de graça!
Napoleão imediatamente chamou os animais e com um vozeirão de arrepiar proclamou a sentença de
morte contra Frederick. Ao ser capturado, disse, Frederick seria queimado vivo. Ao mesmo tempo avisou
que, depois daquela insídia, deveriam esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam desencadear a
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qualquer momento o tão falado ataque. Foram colocadas sentinelas em todos os caminhos que
conduziam à granja. Além disso, quatro pombos foram mandados a Foxwood com uma mensagem
conciliadora, que levava as esperanças de restabelecer as boas relações com Pilkington. -
Logo na manhã seguinte sobreveio o ataque. Os animais estavam fazendo a refeição matinal, quando as
sentinelas chegaram correndo com a notícia de que Frederick e seus seguidores já haviam atravessado a
porteira das cinco barras. Corajosamente, os bichos saíram ao seu encontro, mas desta vez não obteriam
uma vitória fácil como a da Batalha do Estábulo. Eram quinze homens, com meia dúzia de espingardas, e
abriram fogo tão logo chegaram a cinqüenta metros. Os animais não puderam fazer frente à saraivada de
balas e, a despeito dos esforços de Napoleão e Sansão para fazê-los voltar à luta, retrocederam. Muitos já
estavam feridos. Refugiaram-se no casario da granja e ficaram olhando prudentemente pelos buracos.
Toda pastagem, inclusive o moinho de vento, caíra nas mãos do inimigo. Até Napoleão estava perplexo.
Caminhava de um lado para o outro, sem proferir palavra, com o rabo rígido e contraído. Olhares
ansiosos eram lançados na direção de Foxwood. Se Pilkington e seus homens os ajudassem, ainda
poderiam ganhar a parada. Porém, nesse momento, voltaram os quatro pombos enviados no dia anterior,
um deles trazendo um pedaço de papel da parte de Pilkington, com as palavras "Bem feito" escritas a
lápis.
Enquanto isso, Frederick e seus homens se haviam detido junto ao moinho de vento. Os animais
continuavam observando e viram surgir um pé-de-cabra e um malho. Correu um murmúrio de aflição.
Iam botar abaixo o moinho de vento.
- Impossível - exclamou Napoleão. - As paredes são grossas demais para isso. Nem em uma semana
conseguirão. Coragem, camaradas.
Benjamim, porém, observava atentamente a atividade dos homens. Lentamente, com um ar de quem se
diverte, meneou o focinho.
- Exatamente o que eu supunha - disse ele. Vocês não vêem o que eles estão fazendo? Daqui a pouco vão
colocar explosivos naquele buraco.
Aterrorizados, os bichos esperaram. Era impossível abandonar a proteção das casas Daí a pouco os
homens saíram correndo em todas as direções. Ouviu-se, logo após, um estrondo ensurdecedor. Os
pombos revolutearam no ar e os animais todos, exceto Napoleão, jogaram-se ao chão. Quando se
levantaram outra vez, havia uma gigantesca nuvem preta no lugar do moinho. Aos poucos, a brisa a
dissolveu. O moinho de vento havia desaparecido!
Aquilo devolveu a coragem aos animais. O medo e o desânimo que sentiam foram engolfados pelo
tremendo ódio - que os dominou ante aquela vilania inominável. Um brado de vingança subiu aos ares;
sem esperar ordens, reuniram-se e, como um só corpo, lançaram-se contra o inimigo. Desta vez não
fugiram às balas cruéis que caíam sobre eles, em saraivadas. Foi uma batalha horrível, selvagem. Os
homens atiraram várias vezes e quando os animais os alcançaram foi aquela pancadaria em todas as
direções, com porretes e tacões de bota. Morreram uma vaca, três ovelhas e dois gansos, e quase todo
mundo ficou ferido. Até Napoleão, que dirigia as operações da retaguarda, teve a ponta do rabicho
arranhada por um balim. Mas aos homens não tocou melhor sorte. Três tiveram as cabeças quebradas
pelos golpes de Sansão; outro, a barriga furada pelo chifre de uma vaca; outro viu suas calças quase
arrancadas por Lulu e Ferrabrás. E quando os nove cachorros da guarda pessoal de Napoleão, que este
mandara realizar um movimento por trás da sebe, apareceram de repente no flanco dos humanos, latindo
A Revolução dos Bichos
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furiosamente, o pânico os dominou. Perceberam o perigo de serem cercados. Frederick gritou a seus
homens que se retirassem enquanto havia passagem, e em seguida o inimigo fugia acovardado para
salvar a vida. Os animais perseguiram-nos até o fundo do campo, aplicando-lhes ainda os últimos golpes
ao atravessarem a sebe de pilriteiro.
Haviam vencido, mas estavam feridos e sangravam. Lentamente, começaram a voltar para a granja. A
vista dos camaradas mortos, estirados sobre a relvas comoveu alguns até as lágrimas. E por alguns
minutos detiveram-se num triste silêncio no local onde existira o moinho. Sim, ele sumira; fora-se quase
todo o seu trabalho. Até os alicerces estavam parcialmente destruídos. E desta vez para reconstruí-lo não
bastaria erguer de novo pedras caídas ali mesmo: estas também haviam desaparecido. A força da
explosão as arremessara a centenas de metros. Era como se o moinho jamais houvesse existido.
Ao se aproximarem do sítio, Garganta, que estivera inexplicavelmente ausente da luta, veio-lhes ao
encontro, sacudindo o rabicho e guinchando de satisfação. E os animais ouviram, da direção da granja, o
troar solene da espingarda.
- A troco de quê está atirando aquela arma? - perguntou Sansão.
- Para celebrar nossa vitória! - exclamou Garganta.
- Vitória. Que vitória? - gritou Sansão. Tinha os joelhos sangrando, perdera uma ferradura, rachara o
casco e uma dúzia de chumbinhos haviam-se alojado em sua pata traseira.
- Você pergunta que vitória, camarada? Mas então não expulsamos o inimigo do nosso solo, do solo
sagrado da Granja dos Bichos?
- Mas eles destruíram o moinho de vento. Nosso trabalho de dois anos!
- Que importa? Construiremos outro moinho de vento. Construiremos meia dúzia de moinhos de vento,
se quisermos. Vocês não percebem, camaradas, que coisa formidável realizamos? O inimigo ocupava
este mesmo chão em que pisamos. E agora, graças à liderança do Camarada Napoleão, nós o ganhamos
centímetro por centímetro!
- Quer dizer, ganhamos o que já era nosso - retrucou Sansão.
- Essa foi a nossa vitória - insistiu Garganta. -
Coxearam até o pátio. As balas, sob o couro de Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à sua
frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao
trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe a lembrança de que já tinha onze anos de idade e que
talvez seus músculos já não tivessem a mesma força de antes.
Porém, quando os bichos viram tremular a bandeira verde, ouviram a arma atirar novamente - sete tiros
ao todo - e o discurso que Napoleão fez congratulando-se com a atuação deles, pareceu-lhes que, afinal
de contas, haviam obtido uma grande vitória. Os animais caídos na batalha tiveram funerais solenes.
Sansão e Quitéria puxaram o carroção que serviu de carro fúnebre e Napoleão abriu em pessoa o cortejo.
Dedicaram-se dois dias inteiros às celebrações. Houve canções, discursos, novos disparos da espingarda
e o prêmio especial de uma maçã para cada animal, cinqüenta gramas de milho para cada ave e três
biscoitos para cada cachorro. Proclamou-se que a batalha se chamaria Batalha do Moinho de Vento e que
Napoleão havia criado nova comenda, a Ordem da Bandeira Verde, que conferira a si próprio. Em meio
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ao regozijo geral, o assunto das notas de dinheiro foi esquecido.
Foi alguns dias depois disso que os porcos encontraram, na adega da casa-grande, uma caixa de uísque.
Passara despercebida na época da ocupação. Naquela noite chegou da casa o som de uma cantoria em
que, para surpresa de todos, se ouviam trechos de Bichos da Inglaterra. Mais ou menos às nove e meia da
noite, Napoleão, usando um velho chapéu coco de Jones, foi visto claramente emergir da porta traseira,
dar um rápido galope em volta do pátio e sumir pela porta outra vez. Na manhã seguinte, um silêncio
profundo tomara conta da casa. Ao que parecia, nenhum porco estava de pé. Eram quase nove horas
quando apareceu Garganta, vacilante e deprimido, com os olhos embaçados o rabicho mole, com um
aspecto seriamente doentio. Chamou todo mundo e disse que tinha péssimas notícias para dar. O
Camarada Napoleão estava à morte!
Ouviu-se um grito de lamento Colocaram palha fora da porta da casa e os animais entraram pé ante pé.
Com lágrimas nos olhos, perguntavam-se que seria deles se o Líder faltasse. Correu o boato de que
Bola-de-Neve afinal conseguira envenenar a comida de Napoleão. As onze, Garganta saiu de novo para
fazer outra proclamação. Como último ato sobre a terra, o Camarada Napoleão expedira o seguinte
decreto: a ingestão de álcool seria punida com a morte.
Já à noite, Napoleão parecia um pouco melhor e na manhã seguinte Garganta pôde anunciar sua franca
recuperação. Na tarde desse dia Napoleão voltou à atividade e no dia seguinte soube-se que dera
instruções a Whymper para comprar, em Willingdon, alguns folhetos sobre fermentação e destilação.
Uma semana depois, Napoleão deu ordem que fosse arado o pequeno potreiro atrás do pomar,
anteriormente destinado ao repouso dos animais aposentados. Espalhou-se que a pastagem estava
cansada e necessitava de uma nova semeadura, porém logo se soube que Napoleão pretendia semeá-la
com cevada.
Mais ou menos nessa época, aconteceu um incidente que nenhum dos bichos pôde compreender. Certa
noite, à meia-noite mais ou menos, ouviu-se um ruído de queda no pátio e os animais correram de suas
baias para ver o que sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do fundo do grande celeiro, na qual
estavam escritos os Sete Mandamentos, encontraram uma escada quebrada em dois pedaços. Garganta,
momentaneamente aturdido, jazia estatelado junto a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e uma
lata de tinta branca, entornada. Os cachorros fizeram imediatamente um círculo em torno de Garganta e
escoltaram-no de volta à casa-grande, tão logo ele pôde caminhar. Os bichos não conseguiam fazer
sequer idéia do que significava aquilo, exceto Benjamim, que torceu o focinho com um ar de
compreensão e pareceu entender o que se passara, mas nada disse.
Porém, alguns dias mais tarde, Maricota, lendo os Sete Mandamentos, notou que havia outro
mandamento mal recordado pelos animais. Todos pensavam que o Quinto Mandamento era "Nenhum
animal beberá álcool", mas haviam esquecido duas palavras. Na realidade, o Mandamento dizia:
"Nenhum animal beberá álcool em excesso."
CAPÍTULO IX
A rachadura do casco de Sansão levou muito tempo para cicatrizar. Haviam iniciado a reconstrução do
moinho de vento no dia seguinte ao final das celebrações. Sansão recusou-se a aceitar um só dia de
dispensa e fez questão de honra em não dar mostras da dor que sofria. À noite, admitia em particular para
Quitéria que o casco realmente ø incomodava muito. Quitéria tratava-o com infusões de ervas, que
preparava mastigando, e tanto ela como Benjamim diziam a Sansão que não trabalhasse tanto Os
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pulmões de um cavalo não são de ferro, alertava ela. Sansão, porém, não atendia. Explicava só tinha uma
ambição - ver o moinho de vento Concluído antes de aposentar-se.
De início, quando as leis da Granja dos Bichos foram elaboradas, fixara-se a idade de aposentadoria em
doze anos para os cavalos e os porcos, catorze para as vacas, nove para os cachorros, sete para as ovelhas
e cinco para as galinhas e os gansos. Pensões liberais se estabeleceram para os animais idosos. Até então,
nenhum bicho se aposentara, mas ultimamente o assunto vinha sendo objeto de freqüentes conversas.
Como o potreiro atrás do pomar fora semeado com cevada, dizia-se agora que um canto da pastagem
grande seria cercado e reservado para os velhos. Para os cavalos, ao que se falava, a pensão seria de dois
quilos e meio de milho por dia e, no inverno, oito quilos de feno, mais uma cenoura, ou talvez uma maçã,
nos feriados. O décimo segundo aniversário de Sansão seria no fim do verão do ano seguinte.
A vida ia dura. O inverno foi tão frio quanto o anterior, e a quantidade de alimento ainda menor.
Novamente foram reduzidas todas as rações, exceto as dos porcos e dos cachorros. Uma igualdade por
demais rígida em matéria de rações, explicou Garganta, seria contrária ao espírito do Animalismo. De
qualquer maneira, não teve dificuldade em provar aos outros bichos que na realidade eles não sentiam
falta de comida, a despeito das aparências. Naquele momento, de fato, fora necessário realizar um
reajustamento das rações (Garganta sempre se referia a "reajustamentos", nunca a "reduções"), mas, em
comparação com o tempo de Jones, a diferença para melhor era enorme. Lendo os dados estatísticos em
voz aguda e rápida, provou-lhes, com riqueza de detalhes, que eles recebiam mais aveia, mais feno e
mais do que na época de Jones; que trabalhavam muito menos, que a água potável era de melhor
qualidade, que viviam mais tempo, que havia mais palha nas baias e que as pulgas já não incomodavam
tanto. Os animais acreditavam em cada palavra. Para falar a verdade, tanto Jones como tudo quanto ele
representava já estavam quase apagados de suas memórias. Sabiam que a vida estava difícil e cheia de
privações, que andavam constantemente com frio e com fome, e traba1hando sempre que não estavam
dormindo. Mas, sem dúvida, antigamente fora muito pior. Gostavam de acreditar nisso. Além do mais,
naqueles dias eram escravos, ao passo que, agora, eram livres; e tudo isso, afinal, fazia diferença,
conforme Garganta sempre dizia.
Havia agora muito mais bocas a alimentar. No outono as quatro porcas haviam dado cria quase
simultaneamente - trinta e um leitõezinhos ao todo. Os leitões eram malhados, e, sendo Napoleão o único
cachaço da fazenda, era fácil adivinhar sua linguagem. Foi proclamado que, mais tarde, quando
comprassem tábuas e tijolos, seria construída uma escola no jardim da casa. Por enquanto, os leitões
seriam instruídos pelo próprio Napoleão, na cozinha. Faziam seus exercícios no jardim e eram
aconselhados a não brincar com os filhotes dos outros animais. Mais ou menos por essa época,
estabeleceu-se que, quando um porco e outro animal se encontrassem numa trilha, o outro animal cederia
a passagem; e também que os porcos, qualquer que fosse seu grau hierárquico teriam o direito de usar
fitas vermelhas no rabicho aos domingos.
A granja tivera um ano bem sucedido, mas faltava dinheiro. Era necessário comprar tijolos, areia e cal
para a escola, e economizar outra vez para a maquinaria do moinho de vento. Além disso, havia ainda
necessidade de querosene para os lampiões e velas para a casa, açúcar para a mesa de Napoleão(ele o
proibira para os outros porcos, dizendo que engordava), todo o suprimento normal de ferramentas,
pregos, carvão, arame, ferro velho, e biscoitos para cachorros. Venderam uma meda de feno e parte da
colheita de batatas, e o contrato de fornecimento de ovos foi aumentado para seiscentos por semana, de
forma que as galinhas naquele ano mal puderam chocar um número de ovos, que as mantivesse no
mesmo nível. As rações, já reduzidas em dezembro, sofreram nova redução em fevereiro, e foram
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proibidos os lampiões nos estábulos, a fim de economizar querosene. Os porcos, entretanto, pareciam
bastante bem, pelo menos ganhavam sempre alguns quilinhos.
Uma tarde, em fins de fevereiro, correu pelo pátio, proveniente da cozinha, um cheiro gostoso, suculento,
quentinho, como nunca os animais haviam sentido antes. Alguém disse que era cheiro de cevada cozida.
Os bichos farejaram avidamente o ar e ficaram a pensar se não seria algum fervido para o jantar. Mas não
apareceu fervido nenhum no jantar e no domingo seguinte foi comunicado que toda a cevada passaria a
ser reservada para os porcos. O campinho junto ao pomar já fora semeado com cevada e logo transpirou
a notícia de que cada porco estava recebendo diariamente, a ração de meia garrafa de cerveja, sendo que
Napoleão recebia meio galão e era servido na terrina da baixela de porcelana.
Mas se havia grandes agruras a arrostar, estas eram compensadas pelo fato de a vida agora ter muito mais
dignidade. Havia mais canções, mais discursos, mais desfiles. Napoleão determinara que uma vez por
semana houvesse uma coisa chamada Manifestação Espontânea, cuja finalidade era comemorar as lutas e
triunfos da Granja dos Bichos. À hora marcada os animais deviam abandonar o trabalho e desfilar pelo
terreno da granja, em formação militar, os porcos à frente, depois os cavalos, depois as vacas, depois as
ovelhas e, por último, as aves. Os cachorros enquadravam a formatura e à testa marchava o garnisé preto
de Napoleão. Sansão e Quitéria conduziam sempre a bandeira verde com o desenho do chifre e da
ferradura e a legenda "Viva o Camarada Napoleão". A seguir havia recitação de poemas compostos em
honra de Napoleão, um discurso de Garganta dando detalhes dos últimos aumentos na produção de
gêneros, e no momento exato a espingarda dava um tiro. Quem mais gostava das Manifestações
Espontâneas eram as ovelhas, e se alguém se queixava (havia quem o fizesse, quando os porcos ou os
cachorros não andavam por perto) de que aquele negócio era uma perda de tempo e obrigava a ficar bom
pedaço no frio, as ovelhas invariavelmente calavam o insatisfeito com um ensurdecedor balido de
"Quatro pernas bom, duas pernas ruim!" De modo geral, porém, os bichos gostavam daquelas
celebrações. Achavam confortador serem relembrados de que, afinal, não tinham patrões e todo trabalho
que enfrentavam era em seu próprio benefício. E assim, à custa das cantorias, dos desfiles, das
estatísticas de Garganta, do estrondo da espingarda, do cocoricó do garnisé e do drapejar da bandeira,
conseguiam esquecer que estavam de barriga vazia, pelo menos a maior parte do tempo.
Em abril, a Granja dos Bichos foi proclamada República e houve necessidade de eleger um Presidente.
Apareceu um só candidato, Napoleão, que foi eleito por unanimidade. No mesmo dia notificou-se a
descoberta de novos documentos, que revelavam mais detalhes sobre a cumplicidade de Bola-de-Neve
com Jones. Soube-se que Bola-de-Neve não apenas tentara perder a Batalha do Estábulo, por meio de um
estratagema, conforme os animais já tinham tomado conhecimento, mas lutara abertamente ao lado de
Jones. Na realidade, fora ele o verdadeiro líder das forças humanas e jogara-se à batalha com as palavras
"Viva a Humanidade!" nos lábios. Os ferimentos em suas costas, que alguns poucos bichos
lembravam-se de ter visto, haviam sido causados pelos dentes de Napoleão.
Em meio ao verão, Moisés, o corvo, reapareceu inesperadamente na granja, após uma ausência de vários
anos. Continuava o mesmo, não trabalhava e contava as histórias de sempre a respeito da Montanha de
Açúcar. Encarapitava-se num toco de árvore e arengava durante horas para quem quisesse ouvir:
- Lá em cima, camaradas - dizia ele, solenemente, apontando o céu com a bicanca - lá em cima, pouco
além daquela nuvem preta, ali está ela, a Montanha de Açúcar, o lugar feliz onde nós, pobres animais,
descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho. Chegava a afirmar haver estado lá, num dos
vôos mais altos, e ter visto os infindos campos de trevo e os bolos de linhaça e o açúcar crescendo nas
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sebes. Muitos bichos acreditavam. Suas vidas atualmente eram de fome e de trabalho, raciocinavam; era
justo que lhes estivesse reservado um mundo melhor, mais além? Coisa difícil de determinar era a atitude
dos porcos, com relação a Moisés. Eles afirmavam peremptoriamente que as histórias sobre a Montanha
de Açúcar não passavam de pura mentira; no entanto, deixavam-no permanecer na granja, sem trabalhar,
e ainda por cima com direito a um copo de cerveja por dia.
Depois que o casco ficou bom, Sansão trabalhou mais violentamente do que nunca. Aliás, naquele ano
todos os bichos trabalharam feito escravos. Além da faina normal na fazenda e da reconstrução do
moinho de vento, ainda houve a escola dos porquinhos, iniciada em março. Às vezes tornava-se difícil
agüentar as longas horas sem comer, mas Sansão nunca fraquejou. Em nada do que dizia ou fazia era
possível perceber qualquer sinal de que sua energia já não era a mesma de antigamente. Apenas sua
aparência estava um pouco modificada; o pêlo já não era tão brilhante e as ancas pareciam haver
murchado. Sansão vai-se recuperar quando crescer o capim da primavera, diziam os outros - porém a
primavera chegou e Sansão não mudou de aspecto. Por vezes, na rampa da pedreira, quando enrijecia a
musculatura contra o peso de um enorme pedregulho, tinha-se a impressão de que apenas a vontade o
mantinha de pé. Nesses momentos seus lábios formavam claramente as palavras "Trabalharei mais
ainda"; não emitia qualquer som. Novamente Quitéria e Benjamim o aconselharam, porém ele não deu
atenção. Seu décimo segundo aniversário se aproximava.
Não se importava com o que sucedesse, desde que pudesse acumular uma boa quantidade de pedras antes
de aposentar-se.
Certa noite, no verão, correu a súbita notícia de que algo acontecera a Sansão, que havia saído sozinho
para puxar uns montes de pedra até o moinho. E era verdade. Poucos minutos depois chegaram dois
pombos afobados:
- Sansão está caído! - Não consegue levantar-se!
Metade dos animais da granja correu para a colina do moinho de vento. Lá estava Sansão, deitado entre
os paus da carroça, com o pescoço esticado e sem poder sequer levantar a cabeça. Corria-lhe da boca um
filete de sangue. Quitéria ajoelhou-se a seu lado.
- Sansão - chamou ela -, você está bem?
- É o meu pulmão - disse ele quase sem voz. - Não tem importância. Vocês terminarão o moinho sem
mim. Já deixei bastante pedra aí, De qualquer maneira só me restava um mês de atividade. Para falar a
verdade, tenho estado à espera desta hora. E, como Benjamim também está ficando velho talvez o
deixem aposentar-se para me fazer companhia.
- Precisamos de socorro imediatamente - gritou Quitéria. - Alguém vá correndo Contar a Garganta o que
aconteceu.
Os animais todos correram à casa-grande para dar a notícia a Garganta. Só ficaram Quitéria e Benjamim,
que se deitou ao lado de Sansão e, sem dizer uma palavra, ficou a espantar-lhes as moscas com o rabo
comprido. Mais ou menos um quarto de hora depois, Garganta apareceu, cheio de simpatia e
preocupação. Disse que o Camarada Napoleão tomara conhecimento, abaladíssimo, do mal que sucedera
a um dos trabalhadores mais leais da granja, e já estava tratando de enviar Sansão para tratar-se no
hospital em Willingdon. Os animais sentiram certa inquietação (com exceção de Mimosa e
Bola-de-Neve, nenhum deles jamais saíra da granja) e não gostaram da idéia de seu camarada ir parar nas
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mãos dos humanos. Entretanto Garganta os convenceu, facilmente, de que o cirurgião veterinário de
Willingdon poderia tratar do caso de Sansão muito melhor do que eles, na granja. Cerca de meia hora
mais tarde, quando Sansão já se recuperara um pouco, conseguiram pô-lo de pé e ele cambaleou de volta
até a baia, onde Quitéria e Benjamim lhe haviam preparado uma boa cama de palha.
Durante os dois dias seguintes Sansão permaneceu na baia. Os porcos enviaram uma garrafa contendo
um remédio cor-de-rosa, encontrado no armarinho do banheiro, e Quitéria servia-o a Sansão duas vezes
ao dia, após as refeições. À noite, Quitéria permanecia a seu lado, conversando com ele, enquanto
Benjamim afastava as moscas. Sansão afirmava não estar triste com o acontecido. Caso se recuperasse
bem, poderia viver mais três anos, e já imaginava os dias tranqüilos que passaria no rincão da pastagem.
Seria a primeira vez que lhe sobraria tempo de folga para estudar e melhorar seus conhecimentos.
Pretendia dedicar o resto de sua existência ao aprendizado das vinte e duas letras restantes do alfabeto.
Contudo, Benjamim e Quitéria só podiam estar a seu lado após as horas de trabalho, e foi durante o dia
que o carroção veio buscá-lo. Os animais estavam na lavoura semeando nabos, sob a supervisão de um
porco, e ficaram admirados ao verem Benjamim a galope, vindo da direção das casas da granja ao
encontro deles, zurrando feito louco. Era a primeira vez na vida que viam Benjamim excitado - para falar
a verdade era a primeira vez que alguém o via galopar.
- Depressa, depressa! - gritou. - Venham depressa! Estão levando Sansão! - Sem esperar ordens do porco,
largaram o trabalho e correram de volta para as casas. Realmente, lá estava um carroção fechado, puxado
por dois cavalos, com um letreiro no lado e um homem de chapéu-coco sentado na boléia. A baia de
Sansão estava vazia.
Os bichos se apinharam ao redor do carroção.
- Até breve, Sansão! gritaram. - Até breve!
- Idiotas! Idiotas! - exclamou Benjamim corcoveando em volta deles e ferindo o chão com os cascos
pequeninos. - Imbecis! Não vêem o que está escrito ali ao lado?
Isso fez calar os animais e ouviu-se um psss. Maricota começou a soletrar as palavras, mas Benjamim
empurrou-a para um lado e leu em meio a grande silêncio:
- "Alfred Simmonds, Matadouro de Cavalos, Fabricante de Cola, Willingdon. Peles e Farinha de Ossos.
Fornece para Canis." Será que vocês não percebem? Vão levar Sansão para o carniceiro! Houve um grito
de horror dos bichos. Nesse momento o homem da boléia estalou o chicote e os cavalos saíram a trote
vivo, abandonando o pátio. Os bichos correram atrás, gritando com todas as forças. Quitéria abriu
caminho até a frente. O carroção tomou velocidade. Quitéria tentou fazer que suas pernas grossas
galopassem e conseguiu um trotezinho.
- Sansão! - gritou ela. - Sansão! Sansão! Sansão! - Nesse exato momento, como se tivesse ouvido a
barulheira de fora, apareceu na janelinha de trás da carroça a cara de Sansão, com sua mancha branca no
focinho.
- Sansão! - berrou Quitéria desesperadamente. - Sansão! Saia daí! Saia depressa! Estão levando-o para a
morte!
Os bichos gritavam a um tempo:
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- Saia daí, Sansão, saia daí! - Todavia o carroção tomava velocidade e começava a distanciar-se. Não
podiam saber se Sansão havia entendido Quitéria. Logo depois, entretanto, sua cara desapareceu da
janela e ouviu-se o barulho da tremenda pancadaria de seus cascos no interior do carroção. Ele tentava
livrar-se de qualquer maneira. Tempo houve em que com alguns coices Sansão transformaria aquela
carroça num monte de lenha. Mas, ai! sua força o abandonara; em poucos instantes, o som das batidas
diminuiu e morreu. Desesperados, os animais suplicaram aos dois cavalos que puxavam o carroção para
que se detivessem.
- Camaradas! Camaradas! - gritavam eles. Não levem um irmão de vocês para essa morte! - Porém os
brutos estúpidos, ignorantes demais para entenderem o que acontecia, limitaram-se a murchar as orelhas
e apertar o passo. A cara de Sansão não reapareceu mais na janela. Alguém pensou em correr à frente e
fechar a porteira das cinco barras, mas era tarde demais, pois logo o carroção atravessava a porteira e
desaparecia rapidamente na estrada. Sansão nunca mais foi visto.
Três dias mais tarde, chegou a notícia de que havia falecido no hospital veterinário de Willingdon, a
despeito de ter recebido todos os cuidados que um cavalo merece. Garganta veio dar a notícia.
Presenciara, disse, os últimos momentos de Sansão.
- Foi a cena mais comovente de minha vida! - disse Garganta, erguendo a pata e deixando rolar uma
lágrima. - Eu estava à sua cabeceira no instante final. Quase sem poder falar, ele sussurrou ao meu
ouvido que seu único pesar era morrer antes de ver terminado o moinho de vento. "Para a frente,
camaradas! Viva a Granja dos Bichos! Viva o Camarada Napoleão! Avante em nome da Revolução!
Napoleão tem sempre razão." Estas foram suas últimas palavras, camaradas.
- A seguir, os modos de Garganta se transformaram. Caiu em silêncio por um momento e seus olhinhos
deram miradas suspeitosas para os lados antes de prosseguir.
Chegara a seu conhecimento, disse ele, que um boato idiota e perverso circulara por ocasião da baixa de
Sansão. Alguns animais haviam notado que na carroça que transportou Sansão estava escrito "Matadouro
de Cavalos", chegando à conclusão de que Sansão estava sendo mandado para o carniceiro. Era quase
inacreditável que um bicho pudesse ser tão estúpido. Com certeza, gritou ele indignado, sacudindo o
rabicho e dando pulinhos, com certeza todos conheciam seu amado Líder, o Camarada Napoleão não? A
explicação era muito simples. A carroça pertencera, antes, ao carniceiro, depois fora comprado pelo
cirurgião veterinário, que ainda não apagara letreiro. Eis como se dera o engano.
Os bichos ficaram imensamente aliviados com isso. E quando Garganta continuou dando detalhes sobre a
câmara mortuária de Sansão, o extraordinário cuidado que recebeu e os caríssimos remédios que
Napoleão mandara comprar sem olhar o preço, desapareceram suas últimas dúvidas e a tristeza pelo
camarada morto foi mitigada pela certeza de que, pelo menos, morrera feliz.
O próprio Napoleão apareceu no encontro do domingo seguinte e pronunciou uma singela oração. em
memória de Sansão. Não fora possível, explicou, trazer de volta os despojos do lamentado camarada para
o enterro, porém dera ordem para que se confeccionasse uma grande coroa com louros do jardim e a
enviara para ser colocada no túmulo de Sansão. E anunciou que, alguns dias depois, os porcos
pretendiam realizar um banquete em memória de Sansão.
Napoleão finalizou seu discurso relembrando as duas máximas prediletas de Sansão. "Trabalharei mais
ainda e "O Camarada Napoleão tem sempre razão", máximas, disse, que cada animal deveria adotar para
si próprio. -
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No dia marcado para o banquete, chegou de Willingdon a carroça de um armazém e desembarcou na
casa-grande um engradado de madeira. Naquela noite ouviu-se uma alta cantoria seguida de algo que
parecia uma discussão violenta e que terminou cerca das onze horas com uma tremenda barulheira de
vidros quebrados. No dia seguinte ninguém se levantou na casa-grande, até o meio-dia, e correu uma
conversa de que os porcos haviam conseguido, não se sabia de que maneira, dinheiro para adquirir outra
caixa de uísque.
CAPÍTULO X
Passaram-se anos. As estações vinham, passavam e a curta vida dos bichos se consumia. Tempo chegou
em que ninguém mais se lembrava de antes da Revolução, com exceção de Quitéria, Benjamim, o corvo
Moisés e alguns porcos.
Maricota morreu; Ferrabrás, Lulu e Cata-vento morreram. Jones também morreu num asilo de
alcoólatras, noutra cidade. Bola-de-Neve fora esquecido. Sansão também, exceto pelos poucos que o
haviam conhecido. Quitéria era agora uma égua velha, corpulenta, com os olhos atacados pela catarata.
Já ultrapassara de dois anos a idade de aposentadoria. Aquela história de reservar um pedaço de campo
para os animais idosos não era mais nem mencionada. Napoleão tornara-se um cachaço madurão de uns
cento e cinqüenta quilos. Garganta estava tão gordo que mal conseguia abrir os olhos. Somente
Benjamim continuava o mesmo, apenas de focinho um pouco mais grisalho e, desde a morte de Sansão,
mais rabugento e taciturno do que nunca.
Agora existiam muito mais criaturas na granja embora o índice de crescimento não fosse aquele que
esperavam nos primeiros anos. Haviam nascido muitos animais, para os quais a Revolução não passava
de uma obscura tradição transmitida verbalmente, e outros que nem sequer tinham ouvido falar coisa
nenhuma a respeito. A granja contava agora com três cavalos além de Quitéria. Eram bichos formidáveis,
trabalhadores incansáveis, bons camaradas mas muito estúpidos. Nenhum se mostrou capaz de aprender
o alfabeto além da letra B. Aceitavam tudo quanto lhes era dito a respeito da Revolução e dos princípios
do Animalismo, especialmente por Quitéria a quem dedicavam um respeito filial, mas era duvidoso que
entendessem lá grande coisa.
A granja prosperava e estava mais bem organizada; fora até aumentada pela compra de dois tratos de
terra ao Sr. Pilkington. O moinho de vento afinal, fora concluído com êxito e a granja possuía uma
debulhadeira e um elevador de feno próprio, e construções novas se haviam erguido. Whymper comprara
uma aranha. O moinho de vento, entretanto, não era usado para gerar energia elétrica. Usavam-no para
moer cereais, coisa que dava bom dinheiro. Os animais estavam a braços com a construção de outro
moinho de vento; quando este estivesse concluído, dizia-se, seriam instalados os dínamos. Mas naquele
luxo de que Bola-de-Neve lhes falara certa vez, baias com luz elétrica e água quente e fria, e na semana
de três dias, não se falava mais. Napoleão denunciara tais idéias como contrárias aos princípios do
Animalismo. A verdadeira felicidade, dizia ele, estava em trabalhar bastante e viver frugalmente.
De certa maneira, parecia como se a granja se houvesse tornado rica sem que nenhum animal tivesse
enriquecido - exceto, é claro, os porcos e os cachorros. Talvez isso acontecesse por haver tantos porcos e
tantos cachorros. Não que esses animais não trabalhassem, à sua moda. Garganta nunca se cansava de
explicar que havia um trabalho insano na ação de supervisionar e organizar a granja. Grande parte desse
trabalho era de natureza tal que estava além da ignorância dos bichos. Tentando explicar, Garganta
dizia-lhes que os porcos despendiam diariamente enormes esforços com coisas misteriosas chamadas
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"arquivos", "relatórios", "minutas" e "memorandos". Eram grandes folhas de papel que precisavam ser
miudamente cobertas com escritas e, logo depois, queimadas no forno. Era tudo da mais alta importância
para o bem-estar da granja, dizia Garganta. A verdade é que nem os porcos nem os cachorros produziam
um só grama de alimento com o seu trabalho; e havia um bocado deles, com o apetite sempre em forma.
Quanto aos outros, sua vida, ao que sabiam, continuava a mesma. Geralmente andavam com fome,
dormiam em camas de palha, bebiam égua no açude e trabalhavam no campo; no inverno, sofriam com o
frio; no verão, com as moscas. De vez em quando, os mais idosos rebuscavam a apagada memória e
tentavam determinar se nos primeiros dias da Revolução, logo após a expulsão de Jones, as coisas
haviam sido melhores ou piores do que agora. Não C9nseguiam lembrar-se. Nada havia com que
estabelecer comparação: não tinham em que basear-se, exceto as estatísticas de Garganta, que
invariavelmente provavam estar tudo cada vez melhor. Os bichos consideravam o problema insolúvel; de
qualquer maneira, dispunham de muito pouco tempo para essas especulações. Apenas o velho Benjamim
afirmava lembrar-se de cada detalhe de sua longa vida e saber que as coisas nunca haviam estado e nunca
haveriam de ficar nem muito melhor nem muito pior, sendo a fome, o cansaço e a decepção, assim dizia,
a lei imutável da vida. - -
Mesmo assim os bichos nunca perdiam a esperança. Mais ainda, jamais lhes faltava, nem por instantes, o
sentimento de honra pelo privilégio de serem membros da Granja dos Bichos que continuava ser a única
em todo o condado - em toda a Inglaterra! - de propriedade dos animais e por eles administrada. Nenhum
deles, nem mesmo os mais moços, nem mesmo os chegados de outras granjas, situadas algumas a dez ou
vinte quilômetros de distância, jamais deixaram de maravilhar-se com isto. E quando ouviam o tiro da
espingarda e viam a bandeira flutuando no topo do mastro, seu coração se inchava de orgulho e a
conversa passava a girar em torno dos históricos dias de antanho, da expulsão de Jones, da inscrição dos
Sete Mandamentos, das grandes batalhas em que os invasores humanos haviam sido derrotados. Nenhum
dos antigos sonhos fora abandonado. A República dos Bichos, que o velho Major havia previsto, quando
os verdes campos da Inglaterra não mais seriam pisados pelos pés humanos, era coisa em que ainda
acreditavam. O dia havia de chegar. Podia ser mais cedo ou mais tarde, talvez não acontecesse durante a
vida de qualquer dos animais de então, mas havia de chegar. Até a melodia de Bichos da Inglaterra talvez
fosse cantarolada secretamente aqui e ali; de qualquer maneira, a verdade é que cada bicho da granja a
conhecia, embora nenhum tivesse coragem de cantá-la em voz alta. Talvez fosse verdade que a vida era
difícil e que nem todas as suas esperanças se haviam concretizado; mas tinham a consciência de não
serem iguais aos outros animais. Se tinham fome, não era por alimentarem alguns tirânicos seres
humanos; se trabalhavam arduamente, pelo menos trabalhavam em seu próprio benefício. Nenhuma
criatura dentre eles andava sobre duas pernas. Nenhuma criatura era "dona" de outra. Todos os bichos
eram iguais.
Certo dia, no início do verão, Garganta mandou que as ovelhas o seguissem e levou-as para um campo
situado nos confins da granja, que fora tomado de brotação de vidoeiro. As ovelhas passaram o dia
inteiro roendo as brotações, sob a supervisão de Garganta. À noite, ele regressou à granja, mas, como
disse às ovelhas que permanecessem lá, terminaram ficando a semana toda durante a qual os outros
bichos nem as enxergavam. Garganta passava com elas a maior parte do dia. Estava, explicou,
ensinando-lhes uma nova canção para a qual precisava de certo sigilo.
Foi logo após o retorno das ovelhas, numa noite agradável, quando os bichos haviam terminado seu
trabalho e regressavam à granja, que se ouviu, vindo do pátio, um relinchar horripilante. Arrepiados os
animais estacaram. Era a voz de Quitéria. Ela relinchou outra vez e os bichos dispararam a galope para o
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pátio. Viram, então, o que ela havia visto.
Um porco caminhava sobre as duas patas traseiras.
Sim, era Garganta. Um tanto desajeitado devido à falta de prática em manter seu volume naquela
posição, mas em perfeito equilíbrio, passeava pelo pátio. Momentos depois, saiu pela porta da casa uma
comprida coluna de porcos, todos caminhando sobre as patas de trás. Uns melhor que os outros, um ou
dois até meio desequilibrados e dando a impressão de que apreciariam o apoio de uma bengala, mas
todos fizeram a volta ao pátio bastante bem. Finalmente houve um alarido dos cachorros, ouviu-se o
cocoricó esganiçado do garnisé e emergiu Napoleão, majestosamente, desempenado, largando olhares
arrogantes para os lados, com os cachorros brincando à sua volta.
Trazia nas mãos um chicote.
Houve um silêncio mortal. Surpresos, aterrorizados, uns junto aos outros, os bichos olhavam a fila de
porcos marchar lentamente em redor do pátio. Pareceu-lhes enxergar o mundo de cabeça para baixo.
Então veio um momento em que, passado o choque e a despeito de tudo - a despeito do terror dos
cachorros e do hábito, arraigado após tantos anos, de nunca se queixarem, nunca criticarem, pouco
importava o que sucedesse -, poderiam lançar uma palavra de protesto. Porém, exatamente nesse instante,
como se obedecessem a um sinal combinado, as ovelhas. em uníssono, estrondaram num espetacular
balido:
- Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom,
duas pernas melhor!
Baliram durante cinco minutos sem cessar. E, quando se calaram, fora-se a oportunidade da palavra de
protesto, pois os porcos já haviam voltado para dentro da casa.
Benjamim sentiu um focinho esfregar-lhe o ombro. Era Quitéria. Seus olhos pareciam mais encobertos
que nunca. Sem dizer palavra, ela o puxou delicadamente pela crina, levando-o até o fundo do grande
celeiro, onde estavam escritos os Sete Mandamentos. Durante um ou dois minutos ficaram olhando a
parede alcatroada com o grande letreiro branco.
Minha vista está falhando - disse ela finalmente. - Mesmo quando eu era moça não conseguia ler o que
estava escrito aí. Mas parece-me agora que parede está meio diferente. Os Sete Mandamentos são os
mesmos de sempre, Benjamim?
Pela primeira vez, Benjamim consentiu em quebrar sua norma, e leu para ela o que estava escrito na
parede. Nada havia, agora, senão um único Mandamento dizendo:
TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS
MAS ALGUNS ANIMAIS SÃO MAIS
IGUAIS DO QUE OS OUTROS
Depois disso, não foi de estranhar que, no dia seguinte, os porcos que supervisionavam o trabalho da
granja andassem com chicotes nas patas. Nem estranharam ao saber que os porcos haviam comprado um
aparelho de rádio, que estavam tratando da instalação de um telefone e da assinatura de jornais e revistas.
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Não estranharam quando Napoleão foi visto passear nos jardins da casa com um cachimbo na mão, nem
quando os porcos se assenhorearam das roupas do Sr. Jones e passaram a usá-las, sendo que Napoleão
apresentou-se vestindo um casaco negro, calças de caçador e perneiras de couro, enquanto sua porca
favorita surgia com o vestido de seda que a Sra. Jones usava aos domingos.
Uma semana mais tarde, após o meio-dia, apareceram numerosas charretes subindo rumo à granja. Uma
representação de granjeiros vizinhos fora convidada a realizar uma visita de inspeção. Toda granja lhes
foi mostrada e eles expressaram admiração por tudo quanto viram, especialmente pelo moinho de vento.
Os bichos estavam limpando a lavoura de nabos. Trabalhavam diligentemente, mal levantando o olhar do
chão e sem saber a quem temer mais, se os porcos, se os visitantes humanos.
Naquela noite, altas risadas e cantorias chegaram da casa. Lá pelas tantas, ante o som das vozes
misturadas, os bichos encheram-se de curiosidade. Que estaria acontecendo lá dentro, agora que, pela
primeira vez, encontravam-se em teremos de igualdade os animais e os seres humanos? Pensando todos a
mesma coisa, dirigiram-se furtivamente para o jardim da casa.
No portão titubearam, um tanto temerosos, mas Quitéria deu o exemplo e entrou. Andaram, pé ante pé,
até a casa, e os mais altos espiaram pela janela da sala de jantar. Lá dentro, em volta de uma mesa
grande, estavam sentados meia dúzia de granjeiros e meia dúzia de porcos dentre os mais eminentes,
Napoleão no lugar de honra, à cabeceira. Os porcos pareciam perfeitamente à vontade em suas cadeiras.
O grupo estivera jogando cartas, mas havia interrompido o jogo por instantes, evidentemente para os
brindes. Um grande jarro circulava e os copos se enchiam de cerveja. Ninguém notou as caras admiradas
dos bichos, que espiavam pela janela.
O Sr. Pilkington, de Foxwood, levantara-se com o copo na mão. Disse que ia convidar os presentes para
um brinde. Mas, antes, desejava dizer algumas palavras, que julgava de seu dever pronunciar.
Era motivo de grande satisfação para ele - e tinha certeza de que falava por todos os demais -sentir que o
longo período de desconfianças e desentendimentos chegara ao fim. Tempo houvera - não que ele ou
qualquer dos presentes tivesse pensado dessa maneira -, mas tempo houvera em que os respeitáveis
proprietários da Granja dos Bichos haviam sido olhados, não diria com hostilidade, mas com uma certa
apreensão, por seus vizinhos humanos. Ocorreram incidentes desagradáveis e idéias errôneas haviam
circulado. Parecera a muitos que a existência de uma granja pertencente a animais e por eles
administrada era coisa um tanto fora do comum e poderia vir a causar transtornos à vizinhança. Muitos
granjeiros supuseram, sem as verificações devidas, que em tal granja prevaleceria um espírito de
licensiosidade e indisciplina. Haviam-se preocupado com o efeito de tudo isso sobre seus próprios
animais e, até mesmo, sobre seus empregados humanos. Mas todas essas dúvidas estavam agora
dissipadas. Hoje ele e seus companheiros haviam visitado a Granja dos Bichos, inspecionando cada
metro quadrado com seus próprios olhos, e que haviam encontrado? Não apenas métodos dos mais
modernos, mas uma ordem e uma disciplina que podiam servir de exemplo. Julgava poder afirmar que os
animais inferiores da Granja dos Bichos trabalhavam mais e recebiam menos comida do que quaisquer
outros animais do condado. Para falar a verdade, ele e seus companheiros de visita haviam visto, naquele
dia, muita coisa que pretendiam introduzir imediatamente em suas próprias granjas.
Finalizaria suas palavras, continuou, assinalando mais uma vez os sentimentos de amizade, que
prevaleciam e deviam prevalecer entre a Granja dos Bichos e seus vizinhos. Entre os porcos e os seres
humanos não havia, e eram inteiramente inadmissíveis quaisquer conflitos de interesses. Suas lutas e suas
dificuldades eram uma só. Pois o trabalho não constituía o mesmo problema em toda parte? A essa altura
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evidenciou-se que o Sr. Pilkington pretendia soltar para a platéia algum dito espirituoso, mas por alguns
momentos pareceu por demais dominado pelo gozo da própria piada, para poder dizê-la. Depois de muita
sufocação, que deixou vermelhos os seus vários queixos, ele conseguiu largá-la: "Se os senhores têm que
lutar com os seus animais inferiores, nós temos as nossas classes inferiores". Este bon mot causou
sensação na mesa, e o Sr. Pilkington novamente felicitou os porcos pelas baixas rações, pelas muitas
horas de trabalho e pela ausência geral de tolerância que observara na Granja dos Bichos.
E agora, disse finalmente, convidava o grupo a levantar-se e verificar se os copos estavam cheios.
- Senhores - concluiu o Sr. Pilkington - proponho um brinde: À prosperidade da Granja dos Bichos!
Houve uma entusiástica saudação e depois muitas palmas. Napoleão ficou tão emocionado que deixou
seu lugar e deu a volta à mesa para tocar com seu copo o do Sr. Pilkington, antes de esvazia-lo. Quando
as felicitações acabaram, Napoleão, que permanecera de pé, disse que iria também proferir algumas
palavras.
Como todos os discursos de Napoleão, aquele foi curto e direto ao assunto. Também ele, disse,
alegrava-se de que o período de desentendimentos tivesse chegado ao fim. Por longo tempo houve
rumores - inventados, acreditava, e tinha razões para isso, por algum inimigo mal-intencionado - de que
havia algo de subversivo e mesmo de revolucionário nos pontos de vista seus e de seus companheiros.
Tinham passado por desejosos de fomentar a rebelião entre os animais das granjas vizinhas. Nada podia
estar mais longe da verdade! Seu único desejo, agora como no passado era viver em paz e gozando de
relações normais com os seus vizinhos. Aquela granja que ele tinha a honra governar, acrescentou, era
um empreendimento cooperativo. As escrituras que estavam em seu poder conferiam a posse a todos os
porcos.
Não acreditava que ainda restassem quaisquer das velhas suspeitas, mas certas modificações na rotina da
granja haviam sido introduzidas com o fito de promover uma confiança ainda maior. Até aquele
momento os bichos haviam conservado o hábito imbecil de dirigirem-se uns aos outros pela alcunha de
"camarada". Isso ia acabar. Existira também o costume insólito, cuja origem era desconhecida, de
marchar aos domingos, desfilando frente a uma caveira de porco pregada num poste. Isso também ia
acabar, e a caveira já for a enterrada. Os visitantes com certeza teriam observado também a bandeira
verde que tremulava no poste. Nesse caso teriam notado que as antigas figuras do chifre e da ferradura,
em branco, haviam sido suprimidas. Daí por diante seria uma bandeira puramente verde.
Tinha apenas um reparo, disse, a fazer ao excelente discurso, bem próprio de um bom vizinho, do Sr.
Pilkington. O Sr. Pilkington referira-se o tempo todo à "Granja dos Bichos". Naturalmente ele não podia
saber - mesmo porque Napoleão o estava proclamando, naquele instante, pela primeira vez - que a
denominação "Granja dos Bichos" for a abolida. A partir daquele momento, sua granja voltaria a ser
conhecida como "Granja do Solar", que, aliás, parecia-lhe, era seu nome correto e original.
Senhores - concluiu Napoleão , levantarei o mesmo brinde, mas sob forma diferente. Encham, até a
borda, seus copos. Senhores, este é o meu brinde. À prosperidade da Granja do Solar!
Houve as mesmas calorosas felicitações de antes, e os copos foram esvaziados. Mas aos olhos dos
bichos, que lá de for a espiavam, pareceu que algo estranho estava acontecendo. Que diabo teria alterado
a cara dos porcos? Os olhos embaçados de Quitéria iam de uma cara para outra. Algumas tinham cinco
queixos, outras quatro, outras três. Mas alguma coisa parecia misturá-las e modificá-las. Então, findos os
aplausos, o grupo pegou novamente nas cartas, reencetando o jogo interrompido, e os animais
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afastaram-se silenciosamente.
Não haviam, porém, chegado sequer a vinte metros quando se detiveram, ante o vozerio alto que vinha lá
de dentro. Voltaram correndo e tornaram a espiar pela janela.
Realmente, era uma discussão violenta. Gritos, socos na mesa, olhares suspeitos, furiosas negativas. A
origem do caso, ao que parecia, fora o fato de Napoleão e o Sr. Pilkington haverem, ao mesmo tempo,
jogado um ás de espadas.
Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que
sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um
homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir
quem era homem, quem era porco.
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EU NÃO DISSE? TODA A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, LEIAM E SE DELICIEM.....ATÉ MAIS........